terça-feira, julho 31, 2007

Luto, de novo

A morte deixou duas vítimas seguidas no panteão do cinema: Bergman e Antonioni. O sueco não gostava do italiano, não sei se a recíproca era verdadeira, mas é interessante que uma coisa os unia, cada qual em seu estilo – foram dos cineastas mais dedicados em entender as mulheres, e utilizavam um realismo das emoções que era da ordem da alma, interior, enquanto se permitiam estilizações exteriores. Enfim...

De Bergman, assim como Chico, o primeiro filme que vi foi Gritos e Sussurros, num VHS Concorde que loquei na primeira vez que fui à VideoHobby. Vi numa sexta à noite e revi no sábado de manhã. Já revi em DVD e em 35mm, na Sala Walter da Silveira. O filme não é do tipo que cresce. Ele tem impacto imediato e supremo e o mantém. Não cresce porque não tem mais para onde. É topo, e foi por muito tempo meu filme preferido.

Ainda amo o filme, mas hoje, meu Bergman preferido é outro: Persona. Vi na Alexandre Robatto, a apartir de um VHS projetado com barras pretas na parte de baixo para tapar a legenda em inglês. Tenho um divx, mas nunca tive ânimo para revê-lo. É forte demais. Gosto muito também do Morangos Silvestres, Noites de Circo, mas talvez o terceiro Bergman na minha cabeça seja A Fonte da Donzela, com uma das seqüências mais angustiantes da história: Max von Sydow arranca uma arbusto com as próprias mãos, e realiza uma purificação do corpo com as folhas, antes de matar os assassinos de sua filha.

Bibi Andersson e Liv Ullmann em Persona

O Sétimo Selo, incrivelmente, nunca me despertou mais do que a admiração normal por um Bergman, mas preciso revê-lo. O bom é que, para quem não conhece, tá muita coisa por aí em DVD. Vi quase 20 filmes dele. Praticamente tudo é muito bom. Preciso rever, mas lembro de não ter gostado muito de Da Vida Das Marionetes...

Quanto a Antonioni, o processo foi mais difícil. Vi Deserto Vermelho num VHS bem ruim, e achei insuportavelmente chato. Só fui ver o segundo Antonioni quando passou O Passageiro Profissão Repórter, também lá na Walter. Eu tinha ido ver A Doce Vida, mas a programação mudou, e ficamos, meu irmão e eu pro Antonioni. Ele não gostou, mas eu chapei. Depois saiu tudo em DVD, A Aventura, A Noite, O Eclipse, Blowup, As amigas, O Grito.

Monica Vitti em O Eclipse

A princípio parece que não, mas o melhor desses aí é O Eclipse, filme de angústia e aridez insuportável, e tão geometricamente perfeito quanto Blowup, no qual Antonioni faz arquitetura.

Poderiam passar no cinema também... Vi A Noite lá na Walter, novamente com meu irmão, e dessa vez ele gostou. Na seqüência, sem tempo para respirar, vimos Os Incompreendidos, de Truffaut.

segunda-feira, julho 23, 2007

Era Uma Vez em Macau


Num rompante de prova dos nove, vi um dos melhores filmes do ano. Há um tempo, peguei na locadora Breaking News, de Johnnie To, só para verificar se o diretor tão prestigiado era isso tudo mesmo. Naquele filme, virtuoso mas besta, o cara parecia uma fraude oriental que cresce aos olhos de críticos ocidentais. Nada como uma segunda chance: Exilados é incrível, lindo, majestoso, falso policial com alma de faroeste spaghetti, e dos bons.

As pistas já estavam lá, mas só percebi isso do meio para o fim, quando os personagens principais abandonam a cidade e resolvem assaltam uma “diligência” carregada de ouro. Vem a gaita, o cenário rochoso e árido, o sol. Aquela camaradagem do passado ganha a luz de Sergio Leone. Já era assim no início silencioso e tenso, num tiroteio triangular, no acerto de contas dos pistoleiros do apocalipse e da moral “o passado vem te pegar”.

Quando chega o ouro, a referência cinematográfica é completamente assumida, e tudo é resolvido num espetacular desfecho numa villa em Macau, com cara de México. Com uma viúva violenta e um aparente seqüestro em que a paga não é um punhado de dólares. Podia ser uma grande masturbação cinéfila, mas... Tem força o Johnnie To, e nunca deixa a homenagem ficar só na superfície. Faroeste é questão de moral, e da verdade dos personagens, e tá tudo aí, intacto. As fotografias, a amizade e o tempo, presente e passado – a homenagem é maior ao faroeste ou a Leone? Era Uma Vez em América?

sexta-feira, julho 13, 2007

O Passado (recente)

Volto a usar esse espaço como blog, e não como reprodutor de textos que escrevo para outro lugares. Em flashes e rapidinho, já que o tempo anda escasso:

>>> Além dos dois livros citados em post recente (Nó Na Garganta e Vernon God Little), andei lendo Ian McEwan. Primeiro foi o Reparação, fábula poderosa sobre culpa e redenção impossível, narrada numa muito sofisticada estrutura de tempo que arma um truque intrigante, e atinge o leitor em cheio, no final. O livro vira filme esse ano, com o mesmo diretor de Orgulho e Preconceito. Pelo trailer, palpite: vão fazer O Paciente Inglês de novo, amantes separados pela guerra, o que não tem muito a ver com o original. (O filme de Minghella não é só isso, eu gosto. Ainda assim, é muito diluído em relação ao livro).

>>> Gostei de Reparação, catei (comprei, R$ 23) um livro um pouco mais antigo dele, Amsterdam, que venceu o Booker Prize. Novo espanto. Mais um trabalho de tempo sensacional, desta vez em pequena dimensão. Há o passado, e todas as conseqüências no que os dois personagens principais são agora – sem traumas antigos, é bom que se diga, apenas o desgaste de ser. O final, arriscadíssimo, por um pingo não destrói tudo, mas funciona. Menos polido que Reparação, mas com pontos mais altos, talvez.

Ian McEwan

>>> Leio finalmente O Amor Nos Tempos do Cólera, e já no meio, o livro me parece sem propulsão. Há um início maravilhoso, depois um flashback gigantesco que conta o que aconteceu, mas infelizmente sem suspense – a narrativa vira uma passagem em revista por 50 anos da vida de dois personagens. “Fizeram isso, aquilo e aquilo outro, amaram fulano e beltrano”. Claro, há muita beleza na descrição desse tipo de coisa, mas estruturalmente, o livro não funciona tão bem. Por enquanto, deixa terminar.

>>> Esse flashback de García Marquez me lembra o arrasador capítulo final de Hiroshima, de John Hersey, escrito 40 anos depois da primeira parte. O livro é a reportagem do século: primeira parte, seis pessoas em Hiroshima, aqui e agora, com precisão de detalhes cinematográfica; segunda parte, o reencontro com as seis pessoas, Hersey resume o que aconteceu com cada uma delas nos 40 anos seguintes, 10 páginas para cada. É acachapante: 40 anos em 10 páginas, escritas com infinita placidez, respeito e humanidade. E dá uma terrível melancolia, à Yasujiro Ozu.

>>> Muitos, muitos filmes além dos criticados recentemente. Pra resumir, um recente: Gerry, de Gus Van Sant, o melhor de sua nova fase autoral, que continua com Elefante e Last Days. O filme é o mínimo possível – Matt Damon e Casey Affleck perdidos de uma excursão em campo aberto, andam, andam, andam atrás de ajuda. Esqueça Robinson Crusoé, o tom aqui é claramente de transe, planos longuíssimos só com o barulho do deserto, poucos diálogos. Falando assim pode parecer afetado, mas é radical.

Gerry, de Gus Van Sant

>>> Uns velhos: Desafio à Corrupção, muito bom filme de Robert Rossen com Paul Newman, aparentemente sobre sinuca, só que mais um poderoso ensaio sobre a desilusão americana que produziu várias obras-primas nos anos 60. O Indomado, A Sangue Frio, A Noite dos Desesperados...

>>> Muitos outros para comentar – andei vendo de Lola, a Flor Proibida (Jacques Demy) a Um Condenado à Morte Escapou, de Robert Bresson. Esse filme de Bresson é uma maravilha, mas sou mais Demy, menos em Lola e mais em Os Guarda-Chuvas do Amor e Duas Garotas Românticas. Último filme visto: O Buraco, de Tsai Ming-Liang.

>>> Último texto em Nacocó: Cinema novo, novidade pouca. Comentário sobre as novas salas do Cinemark e da UFBa.

sexta-feira, julho 06, 2007

Entretenimento sem segredos

Wim Wenders era presidente do júri do Festival de Cannes de 1989, e deu a Palma de Ouro a "Sexo, Mentiras e Videotape" (1989), de Steven Soderbergh. Para justificar a premiação do filme, Wenders afirmou estar diante do "cinema do futuro". Quase 20 anos depois, a estréia de "Treze homens e um novo segredo" (Ocean's thirteen, 2007, Estados Unidos) acrescenta mais um tijolo de contradição em relação às expectativas do cineasta alemão. Soderbergh parece cada vez mais fazer um cinema do passado, nostálgico e dedicado à execução inteligente de fórmulas que foram consagradas pelo sistema de estúdios da Hollywood clássica.

Somente nesta década, ele já dirigiu os dois filmes anteriores desta franquia com George Clooney, a partir da refilmagem do original de Lewis Milestone, fez um bom remake do clássico russo "Solaris" (1972) e revisou o cinema dos anos 40 no ainda inédito no Brasil "O Segredo de Berlim" (2007). Ainda produziu "Longe do Paraíso" (2002), homenagem aos melodramas de Douglas Sirk na Universal, e assinou um dos segmentos de "Eros" (2004), em p&b e nos anos 50. O que não falta a Soderbergh é vocabulário cinematográfico.

Neste "Treze homens e um novo segredo", fica evidente o domínio do diretor do material que tem nas mãos. Já escolado, o terceiro filme da série tem tudo o que se espera dele: charme, roteiro tão complicado quanto surreal e senso de humor à beira da demência, capaz de manter o espectador por 122 minutos com um sorriso cúmplice, já engatilhado para a gargalhada. Soderbergh praticamente segue sem mudança de direção a trilha dos filmes anteriores – a única missão agora é apresentar uma nova coleção de absurdos.

Desta vez, sem Julia Roberts e Catherine Zeta-Jones (“não é da conta delas”), Danny Ocean, Rusty Ryam e sua intrépida gangue se reúnem para vingar Reuben, um dos veteranos do grupo, que levou um golpe de Willy Bank (Al Pacino, brega, bronzeado, divertindo-se muito, direto de algum texto de Tom Wolfe). Willy levou o dinheiro de Reuben e abriu um gigantesco cassino em Las Vegas. Danny Ocean e companhia vão fazer de tudo para que a inauguração do mastodôntico prédio seja um fracasso.

Willy está protegido por um poderosíssimo sistema de segurança, mas isso não será problema. O grupo vai deslocar uma perfuradora de túneis para causar um terremoto sob o cassino e derrubar o sistema. A idéia é, enquanto o sistema estiver fora do ar, causar o maior prejuízo possível em caça níqueis batizados e dados viciados. A graça, claro, é acompanhar todo esse complexo plot, que inclui uma greve no México, doações para a apresentadora Oprah Winfrey e uma coleção incrível de disfarces.

A razão pela qual isso tudo não entedia – afinal já vimos essa estrutura nos dois filmes anteriores – é que Soderbergh pisa firme no acelerador. Há milhares de outros pequenos truques desses, e como num show de mágica as caixas continuam abrindo e tem sempre mais um coelho na cartola. Quando a gente pensa que acabou, Vincent Cassel (aquele que driblou um sistema de lasers jogando capoeira) e Andy Garcia (contido, como sempre, e por isso hilário) complicam mais ainda as coisas, com uma subtrama de roubo de diamantes.

Se o roteiro faz hora extra na composição minuciosa desses momentos, o mérito de Soderbergh é ter um tempo de comédia absolutamente perfeito. Com tanta coisa acontecendo, o natural é que o filme se tornasse exagerado. O diretor segura a mão, e deixa as piadas acontecerem. Por incrível que pareça, esse humor todo é quase discreto – um ator entra em cena numa situação ridícula ou surreal, mas a deixa ou a frase feita não vem. A graça vem da criação do clima fora da realidade, e não da tentativa de fazer piada.

Soderbergh, mais uma vez acumulando a direção de fotografia, acerta mais no alvo também na parte técnica. O filme é um desbunde, como parecer ser o caso da própria Las Vegas. Muito neon, mulheres vestidas para matar e direção de arte espetacular – dos mínimos detalhes (dados, cartas, gadgets) até o design de interiores nababescos. Visualmente, temos uma incrível celebração do excesso, cujo ponto alto são letreiros com grandes quantias em dinheiro pipocando em letreiros pela tela.

O resultado é tão positivamente alienado que chega a ser chocante comparar este filme com o pequeno "Bubble", seu longa anterior – a alguns quilômetros de Vegas estão os não-atores, o clima sóbrio, a tristeza do interior dos Estados Unidos. Soderbergh parece não ter limites criativos, e busca, filme após filme, domínio do cinema de A a Z. Curiosamente, ele é mais bem sucedido em projetões de estúdio do que em suas iniciativas menores, quase experimentais.

Vale notar que essa sintonia com o passado parece ser o forte não somente do diretor, mas do melhor que o cinemão americano tem feito nesta década – desde o saudoso sessentismo do "Homem-Aranha" (2002), às navalhadas hawksianas dos irmãos Coen em "O amor custa caro" (2003), passando, claro, pelo genial "Prenda-me se for capaz" (2002), de Spielberg, e pelo doce-trágico "King Kong" (2005), de Peter Jackson. Nesse tom, Soderbergh encontrou o companheiro ideal, George Clooney, ator em moldes Cary Grant, perfeito para essa nostalgia moderna da velha Hollywood. Clooney, aliás, deixou sua marca também na direção, com "Boa noite e boa sorte" (2005), p&B, anos 50. Longa vida a essa parceria.

domingo, julho 01, 2007

Belo Filme Raso

Texto meu em Nacocó:


P
hilippe Barcinski estréia no longa-metragem com “Não Por Acaso” (Brasil, 2007), produto Globo Filmes que felizmente funciona fora dos padrões de mediocridade estabelecidos pela distribuidora. Embora haja realmente uma redução de complexidades em relação ao que se espera de um diretor promissor, a marca autoral de Barcinski é forte o suficiente para minimizar as limitações do filme.

Pelo estilo de Barcinski, entenda-se em gosto de explorar cenários urbanos, em tom diferente do realismo urgente que se vê no cinema brasileiro. Suas tramas são intrincadas, com tendência ao fantástico. O sinopse de seus curtas mais conhecidos pode dar uma idéia: em Palíndromo, vemos de trás para frente o dia de um executivo em São Paulo; em A Janela Aberta, um homem na cama tenta lembrar se fechou a janela de casa. Essa ambientação paulista-paranóica costuma ser fotografada rigorosamente, com especial atenção para a geometria da imagem.

Em “Não Por Acaso”, Barcinski continua dando um show de cinema, desde os créditos iniciais. Num sobrevôo por São Paulo, os nomes de patrocinadores, elenco e técnicos aparecem gigantes sobre os prédios e viadutos da cidade. Durante os 90 minutos de projeção, a câmera freqüentemente se detém na composição arquitetônicas dos edifícios, carros para lá e para cá, silêncio. Os interiores não são negligenciados. Planos exploram apartamentos antigos, de cores perfeitamente desbotadas, envolvendo os personagens. É lindo na tela (foto de Pedro Farkas), mas também é triste, melancólico. O cara ama São Paulo.

Embora essas imagens urbanas garantam arrebatamento constante, é pena que, no que diz respeito às pessoas que ocupam esses espaços, o diretor ainda tenha um longo caminho a percorrer. O filme segue dois personagens, Pedro (Rodrigo Santoro) e Ênio (Leonardo Medeiros), afetados pela perda das pessoas que amam.

Pedro é dono de uma oficina de carpintaria especializada em mesas de sinuca, e pratica eventualmente o esporte. Barcinski, claro, não deixa de se esbaldar com a geometria das bolas sobre o verde, criando efeitos de imagem próximos da hipnose. Ênio é engenheiro de tráfego, trabalha regulando o trânsito de São Paulo, na frente do computador. As duas vidas não se unem, mas têm um ponto de tangência. Um acidente de carro causa a morte da namorada de Pedro e da ex-mulher de Ênio. Ainda bem, filme passa longe de “Amores Brutos” (2000) e “21 Gramas” (2003).

A perda os aproxima de outras pessoas – Pedro se envolve com a inquilina de sua namorada morta, Ênio descobre tem uma filha adolescente com o amor do passado. Para quem tem tanto repertório de imagem, é surpresa agradável ver o tratamento delicado que Barcinski dedica a essas pessoas. Os atores conversam calmamente, com intervalos entre as frases, respirando, bem longe de interpretações globais. As imagens de São Paulo não trabalham contra os sentimentos; ao contrário, os contextualiza.

Os problemas aparecem quando essas relações pessoais ameaçam se complexificar. A história de Ênio parece bem segura, mas Pedro caminha em direção à loucura, e sua rota de destruição é prontamente abortada. Aí fica claro que o diretor, embora interessado e aplicado, não tem ainda fôlego para produzir um drama humano de profundidade. Problemático também é o uso da música, que parece querer provocar sentimentos fortes muito antes de haver alguma coisa na tela com alta voltagem emocional.

Quando o filme vai ficando frouxo, Barcinski vence a queda de braço com suas limitações armando um maravilhoso e poético final, um espetacular engarrafamento provocado com um rádio de comunicação. É o toque de fantástico-urbano usual nos filmes do diretor, desta vez lembrando um desfecho das adaptações cinematográficas de Cortázar, como o tênis sem bola de “Blow-Up” (1966) (guardadas as proporções, claro). Logo depois do caos, um bonito plano final, ao mesmo tempo tão próximo de um comercial de margarina quanto da paz de ter superado uma fase difícil da vida. Por incrível que pareça, dado o tom emocionalmente raso do filme, o efeito é de lavar a alma. Com um final desses, o balanço geral só pode ser positivo.