domingo, dezembro 28, 2008

De volta

Enfim, Salvador, depois de dez dias a passeio em São Paulo e no Rio. Em Sampa, fui duas vezes ao cinema, e só. Gomorra, bom panorama italiano da atuação da Camorra napolitana. Cenas brutais, violência inesperada, mas cheia de uma secura que não há nas versões mais americanizadas e talvez pop dos filmes de máfia. Ainda assim, um pouco superestimado.



Um Conto de Natal é outra jóia do francês Arnaud Desplechin, que há quatro anos entregou um dos filmes da década, top 5. O novo longa não é tão forte quanto Reis e Rainha, mas traz de volta a humanidade contagiante característica às obras do cineasta - são duas horas e meia de "gente", com todas as suas complexidades, méritos, defeitos e cinzas. Catherine Deneuve tem um grande papel, e Mathieu Amalric continua sendo o melhor ator do mundo.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Panteão

Procurando Nemo na Tela Quente. Caramba - lembro de ter amado esse filme não apenas por sua esplêndida maquinaria, mas pela inteligência com que recicla a velha história da carochinha do resgate do ente querido. Há tantas idéias maravilhosas passando por essa trama básica, que fica fácil entender as lágrimas da mulher entrevistada por Eduardo Coutinho em Jogo de Cena: "Esse filme tem tudo; é a vida".



Salve quem puder (a vida)

Nemo sempre foi meu filme da Pixar preferido, mas hoje não tenho mais tanta certeza. Será que gosto mais dessa execução genial de uma velha história ou do arrojo narrativo de Wall-E, e seus 40 minutos de silêncio? Ou de Ratatouille, um longa que tem profundidade rara não apenas para desenhos, para todos os filmes? Difícil dizer, mas o fato é que a Pixar sempre encaixa um filme na lista de melhores do ano. No meu panteão pessoal, o lançamento mais recente do estúdio não alcança o topo, mas está firme no top 10.

Por falar nisso, outra escolha obrigatória é Canções de Amor, o musical sobre a velocidade das paixões de Christophe Honoré, finalmente em cartaz na cidade, no Cinema da UFBa. O troço tem uma força sobre-humana, os sentimentos afloram no ímpeto de quem tem o coração aberto, e só a música para dar conta de tanta emoção. Lindo, maravilhoso filme, e uma curiosa expansão dos limites sexuais da nouvelle vague, movimento cinematográfico de que é herdeiro e refundador.

***

Ando vendo algumas coisas que perdi para melhor compor essa lista. Já descartados estão A Família Savage e Não Estou Lá. O primeiro é um desses produtos que servem para medir a ambição de humanidade do cinema americano independente: não resiste a qualquer cena de um filme argentino médio. Ser sincero só depõe contra o filme, porque dá noção exata da mediocridade da diretora Tamara Jenkins.

Mas não é mau: Laura Linney e Philip Seymour Hoffman estão excelentes como de hábito e o filme nos poupa dos diálogos espertos, sarcásticos e artificiais que tanto me afligem em bobagens como Juno... No entanto, fica bem longe do melhor filme do estilo produzido nesta década, também estrelado por Laura Linney: em DVD, Conte Comigo, de Kenneth Lonergan, precisa ser descoberto.



Conte Comigo, pérola perdida

Quanto a Não Estou Lá, primeiro filme de Todd Haynes desde seu excelente Longe do Paraíso, vale dizer que não tenho a menor idéia do porquê ele não funciona (e dá sono). O filme pede revisão, até mesmo para provar que estou errado. Mas, por enquanto, fora da lista. Depois falo mais sobre essa revisão, com algumas palavras para Angel, o ótimo último Ozon.

sábado, dezembro 13, 2008

Fim de caso

Morreu Van Johnson, aos 92 anos. Não tenho memória afetiva nenhuma dele, a não ser pelo fato de ele interpretou Maurice Bendrix, o personagem supremo de Graham Greene, na primeira versão para o cinema de The End of The Affair (ou Pelo Amor de Meu Amor, no Brasil), dirigida por Edward Dmytryk. A refilmagem de 1999 é amplamente aclamada, ainda mais por ter sido comandada por Neil Jordan, cineasta altamente capaz - fez Entrevista Com O Vampiro e Traídos Pelo Desejo.



Johnson e Kerr, Maurice e Sarah

Gosto desse filme, mas prefiro o original, cuja pudicícia é muito mais greeniana que a sensualidade escaldante do remake. Julianne Moore é emotiva e expressiva, mas como superar a sutileza contida e contrita de Deborah Kerr, vivendo a ultra-atormentada Sarah Miles? Perto dela o Bendrix de Johnson pode se apagar um pouco, mas registra bem. Aliás, Johnson está em outro filme de que gosto muito, A Lenda dos Beijos Perdidos, de Vincente Minnelli, mas é eclipsado por Gene Kelly em sua melhor atuação.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Para atar as pontas da vida

Eu estava deixando Capitu de lado por aqui, porque sai um textinho meu no domingo, na Revista da TV, sobre essa coisa acachapante e destruidora que a Globo tá pondo no ar essa semana, mas não dá pra ficar calado.

Sou fã de Luiz Fernando Carvalho desde guri, quando me impressionei terrivelmente com aquele último capítulo de Renascer, o circo na cidade com a montagem paralela da morte de José Inocêncio. No início dessa década fez uma adaptação linda e viscontiana de Os Maias, cheia de momentos inesquecíveis, como a bem-me-quer/mal-me-quer no bosque - Ana Paula Arósio de cabelos tingidos, mas perfeita dentro de descrição de Eça, portadora de beleza láctea das louras.

No cinema, fez o melhor filme brasileiro da década e da retomada, Lavoura Arcaica - não canso de repetir Reichenbach: Lavoura é excessivo e imperfeito como toda obra-prima. O filme era uma experiência brutal, épica, três horas de assombro sensorial (a imagem tem cheiro, textura, o som explode nos ouvidos) de um diretor teatral, artificial, metafórico.



As Capitus de Luiz Fernando Carvalho

Depois disso, Hoje é Dia de Maria continuava o padrão de brilhantismo, mas a segunda parte já trazia o fantasma do entulhamento. Por vezes, ali, o excesso deixava de ser poético e quase fazia a série quebrar com o próprio peso. Veio A Pedra do Reino e o negócio descambou pra loucura irritante, embora ache que talvez goste desse radicalismo daqui a algum tempo.

Temos, enfim, Capitu, adaptação de Machado que eu jurava que daria errado, pela profanação do original pela teatralidade. Ledo e grave engano. O cara se afasta em tom do escritor e perde a responsabilidade de lhe ser fiel. Embora ainda o seja no diálogo, sua encenação onírica, operística, reconstrói o romance de maneira totalmente nova.

Carvalho cravou a perfeição desde que Capitu risca uma linha no chão para Bentinho andar, e não deixou cair a bola. Ele pode ser acusado de vencer pela catarse (como se isso fosse negativo), mas seu tratamento tangencial de Machado só o ajuda a permancer na história. Fez uma adaptação reinterpretativa, com assinatura própria, capaz de marcar as próprias impressões no espectador, em vez de fazer imagens-apoio para a lembrança do livro. Um show absoluto, inacreditável. Bravo.

domingo, dezembro 07, 2008

De coração

Romance, de Guel Arraes, vive travado pelo conflito autoral entre as preocupações do diretor e o estilo do co-roteirista, Jorge Furtado. Enquanto o filme mostra sincero interesse na relação entre artistas, entretenimento e formas de arte/mídia (cinema, teatro, tv), há um nervosismo de estrutura que faz com que esse interesse seja deixado em segundo plano em relação ao artifício.

O que vale é o truque, a metalinguagem, os jogos de espelhos entre a realidade e a atuação, independentemente do assunto que está na tela: o filme acaba sendo genérico em seu gosto pelo contorcionismo narrativo, e poderia se passar em qualquer outro universo, que não o dos atores. O truque, claro, é contribuição de Furtado, brilhante em curtas como Ilha das Flores e Barbosa, muito bom em O Homem Que Copiava e um pouco menos em Meu Tio Matou um Cara.

A obsessão de Furtado pela exploração das camadas narrativas do texto tomam conta do filme de modo que a direção competente de Arraes torna-se, na maioria dos casos, apenas ilustrativa. O filme já estava todo decidido na janela do Word.

Essas trucagens, aliás, são realizadas de maneira simpática e fluida, com correção. No entanto, só isso não é suficiente para espantar os fastasmas de filmes muito superiores, tanto sobre atores (Noite de Estréia, de Cassavetes - citar esse aí chega a ser apelação), quanto sobre texto e metalinguagem (Shakespeare Apaixonado, maravilhoso, muito mais que qualquer Charlie Kaufman). Enfim, o Arraes anterior, Lisbela e o Prisioneiro, era bem melhor e mais bem resolvido.

***

Estou em metade de O Coração É Um Caçador Solitário, de Carson McCullers, livro infinitamente delicado e melancólico da precoce escritora americana, que se saiu com uma obra dessas aos 22 anos. A tradução faz certo esforço para traduzir a fala dos negros com erros de português plantados de forma meio brusca, mas não tira o sabor nem o clima triste desse livro influente.

Capote, contemporâneo, bebeu forte aqui, e na capacidade que Carson tinha de criar poesia a partir do nada, com muito lirismo. A influência vai parar em outra amiga de Capote, Harper Lee, que emulou esse ambiente sulista filtrada pelo olhar infantil da mesma maneira no seu magnífico O Sol é Para Todos.

sábado, dezembro 06, 2008

I heart piauí

Não começava a leitura de uma piauí desde a edição de abril - sabe como é, o tempo vai embora, ainda mais quando você insiste em trabalhar mais do que deve (tudo bem, nenhum problema em ser workaholic). Nas brechas do dia, preferi não abandonar os filmes e os livros, e as revistas começaram a acumular na estante de ferro do meu quarto. Nesse ínterim, não comprei duas edições, mas ontem decidi romper minha cronologia no atraso (sempre lia na ordem, mesmo três ou quatro meses depois, como de hábito) e comecei a edição de dezembro.

Não sei se temops diferenças de padrão, mas só por ler Chegada e Esquina novamente, entendo menos ainda por que Tiago A. cancelou a assinatura dele. Tiago parece esperar que todos os textos tenham a dimensão e o poder de João Moreira Salles, e eu acabei entrando nessa discussão de maneira equivocada, defendendo que toda edição tinha um texto daquele.

Provavelmente não tinha - não li o texto específico de que Tiago fala, O Caseiro -, mas a questão não é essa: piauí tem uma base de qualidade, humor e charme que é absolutamente inquebrantável. Meus 45 minutos perdidos lendo as duas primeiras seções foram puro prazer, de uma forma pequena, diria até delicada.

Os textos não precisam ser os épicos de Salles para ter sua leitura justificada. Recusar tudo isso que piauí oferece o tempo todo e em grande profusão talvez seja um erro de julgamento. Não acho que seja leniente, mas ali não tem texto ruim. Mal posso esperar para chegar ao Diário, que sempre, sempre mesmo, gosto muito.

Não acho que esteja sendo leniente. Ao contrário: não aguento ler a maioria das outras coisas com ambições semelhantes, que tentar criar um verniz de qualidade a partir do puro e absoltuto nada. Comprei uma edições da Rolling Stone brasileira e da Trip, e o que posso dizer de bom sobre elas é que o papel é ok. Na internet, então... Gosto de blogs (quando não têm aquela vontade doentia de aparecer, de soar implicante ou irônico, ou quando não são de esquerda), mas não acho ainda o texto que gosto de ler.

Nessas seções pequenas (que levam quase meia edição), piauí sempre honra o estilo da crônica com louvor, e me faz lamentar pelo fato de um Otto Lara Resende não estar mais vivo. É muito difícil escrever desse jeito, e bom, mesmo com textos anônimos, só essas coisas pequenas justicam a assinatura de piauí, ao menos para mim. Isso, claro, sem falar em seus textões - nem todos são JMS, mas quais são realmente ruins, ou provocam sensação de perda de tempo. Repito: leio sempre com prazer.

sexta-feira, dezembro 05, 2008

Comédia possível

Queime Depois de Ler, dos irmãos Coen, é a prova de que ainda se pode fazer comédia no mundo, mesmo que a maioria dos outros filmes que se aventuram no gênero tente nos dizer o contrário. O filme novo é a volta da supresa, do espanto e do assombro. Não há limites para a loucura dos Coen e seu humor completamente desconcertante: melhor não rir e ficar levantando as sobrancelhas, estupefato, enquanto a ficha não cai. Acaba que o filme fica na cabeça, porque rimos depois. (O riso na hora, se vier, é de nervoso) Na maioria dos outros filmes, há a gargalhada sem graça e freqüente de piadas previsíveis, mas a evaporação vem antes mesmo do fim dos créditos.

sábado, novembro 29, 2008

40's

Chico fez uma lista excelente dos melhores filmes dos anos 40 para a eleição da Liga dos Blogues Cinematográficos. Não faço parte da liga, mas vou me arriscar também na empreitada, Claro, sem o fôlego dos 50 filmes, ou o photoshop para ordenar as capturas. Cidadão Kane é hors-concours.

Vamos ver:

10 - A Sombra de Uma Dúvida, de Alfred Hitchcock


9 - As Vinhas da Ira, de John Ford


8 - Desencanto, de David Lean


7 - Curva do Destino, Edgar G. Ulmer

6 - Pai e Filha, de Yasujiro Ozu


5 - O Boulevard do Crime, de Marcel Carné


4 - Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks


3 - Fuga ao Passado, de Jacques Tourneur


2 - Carta de Uma Desconhecida, de Max Ophuls


1 - Punhos de Campeão, de Robert Wise

quinta-feira, novembro 20, 2008

Duas vezes Delon

O Assassinato de Trotsky é mais um dos filmes-enigma de Joseph Losey. Alain Delon interpreta o matador, Romy Schneider é a namorada e Richard Burton o revolucionário soviético. O ano é 1940, há um plano para eliminar Trotsky, mas o filme não é sobre isso: personagens andam pra lá e pra cá em cenas que, no sentido tradicional, não vão a lugar algum.

O texto não é dos mais fáceis: não pela erudição, mas por, aparentemente, não concluir nada; não há nada remotamente construído em relação de causa e conseqüência, e, analiticamente, é difícil descobrir como o filme te pega pelo pescoço. Longe do thriller - isso não é O Dia do Chacal -, Losey faz mais uma obra perturbadora.



Não apenas porque o filme não se arma para chegar a quaisquer resoluções, mas porque emana um terrível e inexplicável mal-estar, do mesmo jeito que os igualmente intransponíveis Estranho Acidente e Cerimônia Secreta. Delon e Schneider, na platéia de um tourada sem quê nem porquê, participam de uma das cenas mais terríveis e angustiantes já vistas.

***

Eu admiro muito Alain Delon, por ter sido um astro que não sucumbiu diante da beleza do próprio rosto: preferiu construir uma carreira com Visconti, Losey, Zurlini, Antonioni... Um dos diretores que mais contribuíram para seu sucesso artístico foi Jean Pierre Melville, que desconstruiu a face de anjo em policiais gelados, filmes de gângster de molde América 1940 e poucos reconfigurados para especificações francesas - a bruma, o gelo, a frieza, e principalmente, o silêncio.

Ninguém fala dos filmes de Melville - somente o necessário. A imagem corre solta, especialmente em grandes e minimalistas cenas de assalto super-arquitetadas. Das três colaborações entre Delon e Melville, Expresso para Bordeaux é certamente a menor - até porque O Círculo Vermelho e O Samurai são obras-primas -, mas é cheia de prazeres.



Nunca um tapa na cara foi tão violento como nesse filme. Milhas distantes do politicamente correto, Delon estapeia um preso imigrante logo no início da projeção. Mais tarde, dá um senhor tabefe na cara do travesti informante, que lhe deu uma dica falsa. Tough guy, mas não é tipo.

Os filmes de Melville não são daqueles policiais ostensivamente profundos - Colateral, por exemplo - mas há sempre uma insinuação de tormenta interior muito forte nos seus personagens de cara fechada. A violência assusta nesse filme muito mais pela mera possibilidade que pode haver algo terrível por trás dos olhos de Delon, do que por qualquer explicação para o seu comportamento. O close-up final nele tem algo do desfecho de Bullit, de Peter Yates outro policial "operaprímico".

Mas se há alguma ponte a ser feita entre o filme e outro diretor, ele é Brian De Palma. Se os zooms e as elaboradas cenas de ação sem diálogos (o início de Femme Fatale, por exemplo) já indicavam uma influência, Expresso Para Bordeaux nos revela que a cena de perseguição entre o trem e o helicóptero de Missão: Impossível é uma bela homenagem a Melville.

domingo, novembro 09, 2008

Lubitsch não faria

Agora entendo o fracasso de Beija-me Idiota, de Billy Wilder. O filme não é nada fácil: carro de cantor famoso e mulherengo quebra numa cidadezinha pequena. O compositor local decide hospedá-lo, como é muito ciumento, decide brigar com a mulher - que é fã do cantor para tirá-la de casa por uma noite, e a substituiu por uma prostituta. A certa altura da projeção, os papéis se invertem de vez, a esposa vai parar no trailer da prostituta. Essa troca de papéis chega a ser consumada sexualmente, isso em 1960 e poucos. O filme é uma comédia.



Ligações perigosas

Não tinha como dar certo: a própria chegada aos anos 60 torna cenários e ambientação mais realista, que não casa nem um pouco com a graça farsesca que Billy Wilder imprime no seu roteiro. Por outro lado, o filme tem níveis inéditos de grosseria. Mesmo nos filmes mais sexualizados que Wilder havia feito até então, não há piadas como "Não é muito grande, mas é limpa" - uma referência de duplo sentido feita pelo compositor, quando mostra a sua casa à prostituta.

Wilder, que tinha uma plaquinha no escritório dizendo "What would Lubistch do?", nunca se afastou tanto de seu mestre. Beija-me Idiota tem a sutileza de uma jamanta. É um filme extremamente ácido e agressivo, tanto que fica a dúvida: é bom pela coragem ou ruim pelo exagero? Em DVD.

sábado, novembro 08, 2008

Am I Blue?

A Noite do Iguana

Por que raios eu nunca tinha visto A Noite do Iguana, de John Huston? Merten já havia mencionado a grande cena desse filme, mas ainda assim, ela vem como um trator. O padre desequilibrado interpretado por Richard Burton está amarrado numa rede, para não se matar. Deborah Kerr é uma solteirona, artista mambembe, que havia conhecido o padre no mesmo dia.


O padre e a blasfêmia
Burton pergunta à solteirona se ela já teve experiências "amorosas". Ela havia tido duas. Kerr detalha, em close, como deu um berro quando um colega de classe pôs a mão em seu joelho dentro do cinema. A segunda - Kerr ainda em close-up - foi durante uma viagem em Hong Kong, quando um homem pediu uma peça de roupa da solteirona após pagar um preço generoso por um de seus quadros. Ela aceita, e entrega a peça, enquanto o pagante está de olhos fechados.

Kerr: close-up
O brilhantismo dessa cena resume o melhor de um certo cinema falado feito nos Estados Unidos, inimitável. O que está em jogo, em 100% do tempo, é a palavra e o ator, e John Huston tem confiança absoluta nessas coisas que hoje estão fora de moda. Mas, como achar um texto tão magnífico como esse, assinado por Tennessee Williams? Onde encontrar uma atriz com a desenvoltura de uma Deborah Kerr, sustentando um close bergmaniano desses sem apelar pro silêncio? Velho, datado e empoeirado como esse filme supostamente é, o resultado é de tirar o fôlego. Cinco estrelas, fechadas.

Sem amarras

Isso tudo sem mencionar Ava Gardner. Nunca vi A Condessa Descalça, o auge de sua carreira, mas impressão sobre ela foi sempre a de uma mulher deslumbrante, mas uma não-atriz, no sentido pejorativo do termo. Neste filme, sob a direção de Huston, e já passada da juventude, ela despeja uma maravilhosa sensualidade madura, humana e desglamourizada - linda e mediterrânea, meio Irene Papas, meio Sophia Loren.

terça-feira, novembro 04, 2008

O fim do realismo

Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins, é o segundo grande choque de artificialismo no cinema brasileiro em 2008, depois de Falsa Loura, de Carlos Reichenbach. A cinematografia nacional me parece extremamente cansada em seus clichês de realismo: silêncio, calmaria, e uma defesa de direção de intérpretes baseada na transparência.

O bacana é o não-ator, a técnica não presta, e atores profissionais devem se submeter a preparadores de elenco para se despirem de seu tiques. Hum, não há como não bater palmas para o efeito alcançado por Walter Salles e Daniela Thomas em Linha de Passe, mas será esse o único caminho do cinema? Por que não vejo um filme nosso bom ser, por exemplo, adaptado de alguma peça de teatro, com atores medalhões e texto sólido. Será medo do fantasma do academicismo? Ou uma idéia equivocada de que o realista é superior ao artificial?



Linha de Passe e a ditadura do realismo

Tanto temor acaba transformando a via régia em outro clichê gasto: é indisfarçável certo tédio em sessões como as de Cão Sem Dono, de Beto Brant e Renato Ciasca, ou O Céu de Suely, de Karim Aïnouz, por melhores que sejam esses filmes. Vendo o argentino Leonera, de Pablo Trapero (produzido por Salles, da mesma linhagem Wenders, fiquei convencido que o filão acabou: colonização à parte, precisamos de um DePalma, um Verhoeven, um Desplechin.

Ah, claro, tem que prestar também, porque tirando exceções pontuais (A Via Láctea, de Lina Chamie; O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger) a única tendência de nossa ficção fora desse círculo citado que presta é o favela thriller da 02, cada vez mais responsável: que viva o excelente Cidade dos Homens, de Paulo Morelli.



Zé Celso rouba a cena

Pois bem, o filme de Marins é mais um que pinta fora dessa linha. Ou melhor, borra tudo, sádica e violentamente, com seus escalpos sendo retirados, mulheres estripadas e cabeças cortadas. É uma obra impressionante pelo conservado poder de choque de Mojica, e tem uma das melhores seqüências filmadas em todo o mundo nessa década: a visita ao purgatório, com José Celso Martinez Corrêa de diabo, ou Deus. Mojica revisita de maneira muito feliz a cena do inferno de Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, seqüência que é uma obra-prima de 10 minutos do cinema brasileiro, mais que o filme.

Pena que o filme sobreviva basicamente desse horror jogado no ventilador, e se equilibra completamente no gore. Atualizado, Encarnação do Demônio perde aquele tom de história de trancoso contada no interior, últimos registros de Brasil semimedieval, em que a população sai numa caça às bruxas com tochas em punho. Mojica no trânsito, na favela, ou balançando a cabeça por ver adolescentes cheirando cola é risível, quase patético. Seria melhor mantê-lo isolado, em algum fim de mundo, à O Homem de Palha. Sem essa velha magia, perde-se a loucura, a paranóia (ditadura militar, alguém?), e sobra um grande ilustrador do dantesco. O que é grande coisa hoje em dia, mas, na balança dos outsiders, sou muito mais a Falsa Loura de Carlão.

sábado, novembro 01, 2008

A vida é um milagre

Merten lembra: 31 de outubro, 15 anos de morte de Fellini. O senso comum está correto: A Doce Vida é mesmo o melhor Fellini em toda a sua modernidade e inteligência, Oito e Meio o mais radicalmente pessoal longa feito por qualquer diretor em toda a história, mas o meu Fellini preferido é Amarcord, um filme sobre memórias inventadas e transatlânticos de isopor.



Amor ao falso

Vi o filme pela primeira vez ainda na época do VHS, e foi meu primeiro Fellini. Lembro que pegava uns 40 minutos de ônibus para sair da Cidade Baixa à VideoHobby da Graça, onde estavam os clássicos que eu sempre quis ver. Amarcord me pareceu bonito de prima, mas só me pegou pelo pescoço quando o vi na tela grande, com som alto o suficiente para a música de Nino Rota entrar na veia. Não sou de chorar em filmes, mas saí da Walter naquele dia com a cara lavada, olhos doendo. Tava chorando não de tristeza, mas de graça. Amarcord não é um filme, mas um milagre.

***

Eu vi todos os Fellinis até Julieta dos Espíritos, acho, perdendo alguns a partir daí: Casanova, Cidade das Mulheres, A Voz da Lua. Um dia vejo todos. Da primeira fase dele, todos são lindos, mas antes da graça veio a amargura poética, que faz com que Giulietta Masina esteja rindo e chorando depois de ter sido abandonada, reeguendo-se em segundos após uma grande decepção. Ou a mais pura agonia, quando o gigantesco Anthony Quinn desmonta na praia com tanta angústia no peito.

Felliniano é sinônimo de extravagância, mas o excesso do diretor sempre tem peso. Enfim: tantos grandes filmes, que mesmo os que não são A Doce Vida representam com honra uma das melhores assinaturas que o cinema já produziu. Onde se acha, em alguma filmografia, obras secundárias do porte de Satyricon, A Trapaça, ou Os Boas Vidas?

domingo, outubro 26, 2008

Sinfonia do pânico

Listas, listas. Clint Eastwood mostra à EW as 12 influências-chave na carreira e na vida. Começa com James Cagney em Fúria Sanguinária: The Clint conta que a cena do hot dog de Perseguidor Implacável veio de Cagney executando o capanga com uma coxa de galinha na mão. Grande filme, o do Raoul Walsh. Não tinha ouvido da própria boca do Eastwood, mas agora tenho certeza de que o grito de Sean Penn em Sobre Meninos e Lobos veio do berro sensacional de Cagney, quando fica sabendo da morte da mãe.



Brutalidade

Aliás, essa relação complicada de mãe & filho bandidos é apenas uma das muitas complexidades de Fúria Sanguinária, um filme que até hoje impressiona pela violência e intensidade, e pelo fato de que absolutamente nenhum personagem presta. Para isso, ver a participação da doce Virginia Mayo, aqui ultra-escorregadia como a amante de Cagney.

***

Nessa lista, há link para uma compilação dos 20 filmes mais assustadores da história. Tirando as escoilhas das quais é impossível fugir (O Bebê de Rosemary, O Exorcista, A Profecia), a lista é decepcionante pelo fator açúcar-no-champanhe. Predomina o suspense in-your-face, com monstros, aberrações, e pouca sugestão.

Meu estômago, ao contrário, é muito mais vulnerável a filmes sutis, de horror implícito. Esse ano tivemos um excelente exemplar do gênero, o espanhol O Orfanato, de J.A. Bayona, com sua atualização tecnológica do terror gótico inglês - melhorando a já bem-sucedida tentativa do também espanhol Alejandro Amenabar e seu Os Outros, com Nicole Kidman.



Deborah Kerr e a vitória da Sutileza em Os Inocentes

A fonte cinematográfica dos dois, claro, é Os Inocentes, filme que Jack Clayton fez após o seu também extraordinário Almas em Leilão, que nada tem de sobrenatural, aliás. Os Inocentes é adaptação de A Volta do Parafuso, de Henry James, novella para se ler de joelhos e luz bem acesa. Mesmo com todo o seu brilhantismo, prefiro o James de catataus impenetráveis como A Taça de Ouro e As Asas da Pomba, mas essa é outra história.

Não conheço nada de literatura de horror - jamais lerei Stephen King, nem sob tortura -, mas já li uma ou outra coisa muito assustadora. Mesmo com meu parco conhecimento, acho que nada supera os capítulos transilvânicos do Drácula de Bram Stoker, com a exceção, talvez, do diário do capitão do barco no mesmo livro.

Das adaptações do Drácula, reconheço o maravilhamento de Nosferatu, mas para mim, o maior filme de Murnau não é esse, nem Aurora, Tartufo, A Última Gargalhada ou Fausto, e sim Tabu, feito com Robert Flaherty - que nada tem de assustador, a não ser pelo poder das imagens. Não morro de amores pelo Nosferatu de Herzog, apesar de Isabelle Adjani, e não conheço as versões com Bela Lugosi e Christopher Lee.



Drácula, o triunfo de Coppola

Em compensação, a injustiçada adaptação de Francis Ford Coppola é absolutamente magnífica, mesmo com Keanu Reeves e Winona Ryder nos papéis de Jonathan e Mina Harker. Coppola "recebe" Visconti novamente e tira da cartola uma ópera inebriante e profana, musical até na montagem e na fotografia, febris. É um filme extremamente excessivo e apaixonado, e por mais distantes que sejam os temas, é claramente obra do mesmo homem que concebeu e realizou Apocalypse Now. Cada qual em são canto, são ambos sinfonias do pânico.

quarta-feira, outubro 22, 2008

A Questão Humana

Não sou especialmente entusiasta de Luiz Zanin Oricchio (o grande crítico do Estadão é Luiz Carlos Merten, um louco apaixonado por filmes, à prova de ponto parágrafo), mas ele acertou em cheio quando definiu A Questão Humana, de Nicolas Klotz, como o modelo acabado de cinema político contemporâneo. A alma do negócio é ser evasivo: o filme não tem interesse em amarrar suas pontas, fazer discursos ou apontar o dedo a ninguém, mas é absolutamente insuportável, e deixa o espectador com o coração pesado no caminho para casa.

Simon Kessler é psicólogo do setor de RH da filial francesa de uma multinacional alemã, o responsável pela demissão bem sucedida de 1,2 mil pessoas no plano de reestruturação da empresa. Um de seus chefes pede uma avaliação psicológica do diretor geral, que estaria tendo estranhas crises de tristeza.

No fim das contas, Kessler vai descobrir uma ligação da empresa com a engenharia do nazismo e dos campos de concentração. O diretor assistente, por usa vez, foi uma das crianças do programa de adoção criado por Himmler, e tem associações com uma organização de extrema direita.


Ainda assim, com tudo isso nas mãos, o filme recusa corajosamente o thriller. O encadeamento dessas informações é vago, sem relações de causa e efeito. A similiridade entre a neutralização da linguagem empresarial e a do nazismo existe, mas não é acentuada. A Questão Humana prefere deixar as pontas desse novelo soltas: o que interessa é a implosão emocional de seu protagonista, que ocorre à medida que descobre mais informações sobre o passado da multinacional, mas não exatamente por causa disso - até porque o filme passa longe do excesso de dados dos filmes de teoria da conspiração, como JFK, de Oliver Stone.

A impressão final é de que a ligação com o nazismo é apenas um estopim para que a convivência com a desumanização empresarial necessária ao trabalho do RH finalmente faça mal a Simon Kessler. Filmando um inferno gelado em tons frios de azul e ritmo nada condescendente com a platéia - A Questão Humana é longo, lento e deliberadamente exaustivo - Klotz vai muito mais longe que o bom similar americano Conduta de Risco (Michael Clayton), de Tony Gilroy.

O passaporte para o inferno de A Questão Humana, aliás, é o maravilhoso ator Mathieu Amalric, aquele homem que, sem exagero, entregou uma das melhores atuações dos últimos 20, 30 anos, em Reis e Rainha. Seu desafio no filme de Klotz - a representação de uma falência pessoal sem quê nem porquê exatos, arcos de personagem ou motivação - é cumprido sem esforço aparente. O cara é um gênio.

Sugestão para sessão dupla: O Que Você Faria? (O Método Grumholm), de Marcelo Piñeyro, já em DVD.

domingo, outubro 19, 2008

Canções de Amor

Abaixo uma pequena amostra de Canções de Amor, de Christophe Honoré, um dos candidatos a filme do ano. Aqui em Salvador, o cara concorre com ele mesmo, já que o ainda melhor Em Paris chegou atrasado. Canções de Amor é um musical à Jacques Demy, só que filmado no meio da rua mesmo, em apartamentos de verdade, com espontaneidade Godard e romantismo Truffaut. Não é um lance de citação, mas de espírito. Enfim, a nouvelle vague voltou com tudo com a aproximação de seus 50 anos. O filme passou no Festival da SaladeArte, que programei, e deve entrar em cartaz logo logo. A amostra:

sexta-feira, outubro 17, 2008

Bravo!

Há 42 anos separando Todas as Mulheres do Mundo de Juventude, mas Domingos de Oliveira ainda consegue fazer um cinema pessoal, apaixonante e cada vez mais cheio das verdades que a idade faz enxergar - para quem vive de olhos abertos, claro. Seu filme novo, uma falação animada de pouco mais de uma hora sobre três amigos de terceira idade revendo a vida num fim de semana, tem idéias fortes e a melancolia inevitável que se abate sobre quem tem muito pouco a fazer na vida.

Ao mesmo, tem graça e energia trazidas por um diretor que continua filmando como menino, capaz de fazer ressoar com fluência e eloqüência o texto primoroso e aparentemente caótico que ele mesmo escreveu. É um filme que corre solto na sua alegria triste, dominado pela presença do próprio Oliveira novamente atuando e amplificando o registro autobiográfico de sua obra. Paulo José, seu alter-ego em Todas as Mulheres do Mundo, é presença fundamental para o estabelecimento dessa primeira pessoa, e Aderbal Freire tem a mais bela atuação masculina que vejo no cinema brasileiro em bastante tempo.



Domingos Oliveira e Aderbal Freire

O filme é arrasador, magnífico, lúcido, e seria o fecho perfeito da obra de Domingos. Mas, além da imensa saudade que ele deixaria com sua visão de mundo nouvelle vague - muito masculina, apaixonada pela vida e com tendência a se entregar mesmo quebrando a cara -, a pilha ainda está longe de acabar. Juventude estreou em Gramado, e logo depois, no Rio, ele apresentou Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, mais um filme para sua cada vez mais brilhante carreira. Bravo!

P.S.: Relembrando de Sinédoque, Nova York à luz desse filme, acho que descobri por que não gosto de Charlie Kaufman. Ele, ao contrário de Domingos, não sabe nada da vida, e seu ensimesmamento intelectual e obsesseivo me mostram um artista pouco disposto a viver tudo que lhe é possível. Seus ensaios sobre amor, arte e morte recheados de truque me parecem ainda mais ingênuos e superficiais.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Kaufman / Allen

Não vi A Natureza Quase Humana e Confissões de uma Mente Perigosa, mas conheço as obras mais famosas vindas do teclado de Charlie Kaufman: Quero Ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Reconheço que ele tem idéias e habilidade, mas Kaufman não me interessa muito, porque tem sempre mais dedicação aos truques de roteiro do que às pessoas que habitam os filmes que seus textos vão gerar.

Mesmo que Quero Ser John Malkovich seja quase sempre brilhante, e os dois seguintes estejam num nívem bem bom, eu meio que suspeitava que Sinédoque, Nova York, estréia de Kaufman na direção fosse ser tão fora de controle como é.



Para o espectador, cabe decidir se é bacana ou não ser a vítima de uns bons dez anos de neuroses pessoais e artísticas atiradas na platéia com o mínimo de alinhavamento cinematográfico. É tudo um grande brainstorm, um rascunho não editado. A normalidade vai sendo abandonada pouco a pouco, o filme incha de surrealismo até as duas horas e meia de projeção, e não chega a lugar nenhum. Em estado bruto, as idéias de Kaufman conseguem ser ainda menos interessantes do que eu acho que elas normalmente são.

***

Desde o fraco Melinda & Melinda, que reunia de uma vez só a mesma história contada como tragédia e comédia, Woody Allen tem alternado os dois registros, filme sim, filme não: Match Point, Scoop, O Sonho de Cassandra e agora Vicky Cristina Barcelona, que é o mais solar de todos.



Não há nada de muito especial em relação à obra dele, mas, para quê, se é tudo tão prazeroso? Pessoalmente, Vicky... me lembra um grande filme leve, Conflitos de Amor, de Max Ophuls, adaptado da peça La Ronde, de Schnitzler. As pessoas flutuam numa ciranda interminável: uma se apaixona por outro, que ama um terceiro, e assim sucessivamente. O filme não acompanha os personagens, mas o amor: vai pulando de um em um, e cada ator fica só dez minutos em cena, por aí.

O novo Allen é diferente e menor, claro, mas é dotado da mesma leveza. As pessoas, mesmo que não se entreguem, estão extremamento vulneráveis aos próprios sentimentos, receptivas. Os encontros são bruscos, aparentemente forçados, mas sempre naturais. Parece um desses filmes como Feitiço da Lua, em que um fator imponderável deixa todo mundo mais sensível - é o tom perfeito para um filme de férias como esse, sobre americanos que vão aprender a viver do outro lado do oceano. Ah, mesmo "ok", Allen engole Kaufman em qualquer dia da semana.

terça-feira, outubro 14, 2008

Aquela canção do Roberto

Já que passei os últimos dois dias pensando em Roberto Carlos, duas listas para me exorcizar do cara.

10 canções emprestadas

10 - Nossa Canção (Luiz Ayrão)
9 - Outra Vez (Isolda)
8 - Não Vou Ficar (Tim Maia)
7 - Do Outro Lado da Cidade (Helena dos Santos)
6 - Muito Romântico (Caetano Veloso)
5 - Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim (Rossini Pinto)
4 - Canzone Per Te (Sergio Endrigo)
3 - Ai Que Saudades da Amélia (Ataulfo Alves e Mário Lago)
2 - Como Dois e Dois (Caetano Veloso)
1 - Maria, Carnaval e Cinzas (Luiz Carlos Paraná)

Comentários: Eu amo a gravação de "Não Vou Ficar", mas ela fica lá embaixo porque outras pessoas já fizeram melhor. As outras, não, são totalmente Roberto, mesmo Ai Que Saudades da Amélia. A versão resgatada na coletânea San Remo 1968 é linda, e mostra o que RC poderia ter sido se tivesse seguido a veia samba-bossa-nova de suas primeiras canções. Pelo mesmo motivo, "Maria, Carnaval e Cinzas" é a número um. Roberto nem faz esforço: sua voz encontra como que por instinto a tragédia da música, que aliás, é magnífica. O link que postei é prum festival da Record, versão ao vivo, emocionante. "Que fosse chamada /então como tantas / Marias de santa / Marias de flor".

As duas canções de Caetano também encontram outra face da versatilidade de RC: puxam para um som meio rock, aguitarrado, meio soul, meio jazz - música negra americana com a qual Roberto também flerta em "Jesus Cristo" (ver abaixo). "Do Outro Lado da Cidade" é uma brisa no rosto, encantadora, e o resto segue a cartilha muito bem realizada do drama de desilusão amorosa. Sobrou no último minuto: Sonho Lindo, novelão que, talvez vocês lembrem, foi emporcalhada por Paulo Ricardo e parou na trilha de uma novela do SBT.

10 canções do Roberto

10 - Você
9 - Eu Te Amo, te amo, te amo
8 - Amada, Amante
7 - Desabafo
6 - As Curvas da Estrada de Santos
5 - Fera Ferida
4 - As Canções Que Você Fez Para Mim
3 - Jesus Cristo
2 - Quero Que Vá Para Tudo Pro Inferno
1 - Detalhes

Comentários: Acho que, para mim mesmo, só uma grande surpresa. A religião tornou RC um xarope, mas "Jesus Cristo" tem uma maravilhosa vibração spiritual, que, apesar de ser tradicional, é completamente sintonizada com o espírito dos anos 70 - poderia sair daqui direto para um musical da Broadway (Godspell?), e, em seguida, influenciar o Prince de When Doves Cry. Eu acho.

Tirando "Desabafo" e "Fera Ferida", tudo está entre 65-75, por aí. É a grande fase do cara, mesmo que no final dela já tivesse virado um protótipo de tudo de ruim que seria nos 30 anos seguintes. Mesmo assim, fazia o novelão lindamente, como na épica número um: "Detalhes". A música continua imbatível, implacável como uma marreta, e sempre me traz lembranças daquele filme venenoso de Truffaut, A Mulher do Lado.

Eu falei no post anterior que boa parte dos grandes hits de RC é sobre alguém remoendo uma paixão perdida. "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo", no entanto, é ambígua, fala mais de um amor interrompido, e não terminado. E, apesar do tema, "As Curvas da Estrada de Santos", "As Canções Que Você Fez Para Mim" e "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno" recusam o tom abolerado: são as melhores canções de rock da história desse país. (Confiante).

Enfim, o número dez foi claramente a escolha mais difícil. "Você" derrotou no sprint final "Olha" e "Eu Estou Apaixonado Por Você". Nesse caso, a tristeza dilacerante venceu o otimismo e a melancolia discreta.

*Links com versões originais, na medida do possível. Se não tem link, ou não achei, ou encontrei uma versão sabotada pelo próprio RC depois que perdeu a lucidez.

domingo, outubro 12, 2008

Neste mundo desamante

Esse blog de Caetano é realmente um (bom) achado. Do último post, resolvi reproduzir isso aqui:

Falando em rei, hoje ouvi no rádio do carro a gravação de Bethânia de “Fera ferida”. Como é que Roberto fez essa canção tão extraordinária numa fase em que já não era de se esperar dele algo assim contundente? “Fera ferida” é tão boa quanto “Curvas da Estrada de Santos” e chega a bater lá em cima, em “Se você pensa”. Começa dizendo “acabei com tudo” - e nunca mais a peteca cai, em duas longas estrofes com rimas fortes para idéias fortes, indo desaguar no refrão desafiador “não vou mudar”. Esse refrão soou (e soa) como um paradoxo violento: Roberto dizendo que não muda (e explicando em tom de queixa que “esse caso não tem solução”) justamente quando estava mudando pela primeira vez em muitos anos.
Ouvir isso hoje - e na voz de Bethânia - me fez chorar. (Eu também gravei essa canção - do que muito me orgulho - mas é só uma homenagem ao grande acontecimento poético: a gravação não está à altura da música).

Caetano é louco, mas é sábio. Roberto Carlos foi durante muito tempo brilhante, mas mesmo quando caiu de produção sempre foi capaz de surtos de genialidade, justamente como Fera Ferida.

A canção é um exemplo do que RC sabe fazer de melhor - letras sobre amores destruídos, vistos à sombra do tempo. O topo deste sentimento é a fenomenal e canônica Detalhes, cada vez mais a minha música preferida dele, mas passa também por outros clássicos como À Distância, As Curvas da Estrada de Santos, 120... 150... 200 km por hora e As Canções Que Você Fez Para Mim. Também se estende a letras que não são de Roberto, mas que se tornaram dele de maneira irreversível: Como Vai Você, Outra vez e Canzone Per Te.

É engraçado passar nesse tema até mesmo em canções sobre amores ainda não totalmente destruídos. A origem de todas essas músicas que citei pode ser a tormenta de Desabafo:

Por que me arrasto aos seus pés?
Por que me dou tanto assim?
E por que não
peço em troca?
Nada de volta pra mim?...


Fora disso, RC tem outras lindas canções muito subestimadas do amor ainda verde, antes de entrar em modo de auto-destruição. Eu Estou Apaixonado por Você:

Fico esperando um minutinho
Mesmo que seja só pra ganhar um beijinho
Rapidamente e depressa dizer
Que eu estou apaixonado


Já em Amada Amante, um caso raro de promessa de eternidade, de relacionamento forte e maduro, sem fim à vista:

Neste mundo desamante
Só você amada, amante
Faz o mundo de nós dois

quinta-feira, outubro 09, 2008

Onde Navego Meu Barco ao Vento de Sete Paixões

Ando pensando muito em Bob Fosse: aquele vídeo de ontem é conseqüência de uma conversa numa comunidade do Orkut sobre ele, surgida a partir de Chicago - e da notícia que o diretor Rob Marshall vai dirigir Nine, versão do musical da Broadway inspirado no Fellini Oito e Meio. Peguei há poucomeu exemplar de Um Filme é Para Sempre para ler o artigo de Ruy Castro sobre Fosse, mas não demorei muito. Pulei umas duzentas páginas e caí em "Uma Fábula Amoral de Belle Époque", texto sobre Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira.

Conheço pouco a história do cinema brasileiro, mas gosto muito de alguns filmes, como os básicos O Pagador de Promessas, Pixote, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Noite Vazia. Mas, caso de amor mesmo, só com Todas as Mulheres do Mundo, o nosso Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, e, ouso dizer, melhor que o filme de Woody Allen. (E anterior, aliás. Domingos de Oliveira não pode ser o Woody Allen brasileiro porque ele já existia antes do diretor americano).



Diniz com 21 anos em 66

Enfim, nunca vi imagens nacionais mais belas do que as de Paulo José e Leila Diniz zanzando entre Copacabana e Ipanema num filme-sonho decalcado da nouvelle vague: p&b, câmera na mão, jumpcuts. A cara de Godard, mas com alma de Truffaut. Mas, ao contrário do francês, Domingos quebra a cara mas acredita no amor.

Ele já era ex-namorado de Leila Diniz quando a dirigiu, do mesmo jeito que Allen tinha perdido Diane Keaton em Annie Hall, mas se recusou a criar um final melancólico como o do filme americano. No fim de Todas as Mulheres do Mundo, casamento e festinha de criança sem um pingo de conservadorismo. Moderno é mostrar que as pessoas que se amam têm mesmo é que ficar juntas.



Toda mulher é Leila Diniz

Depois de uma longa parada com o cinema, Domingos voltou a filmar no fim dos anos 90. Perdi Amores, mas adoro todos os filmes que vieram em seguida: Separações, Feminices, e Carreiras. A estrela dos três é a nova mulher de Domingos, Priscila Rozembaum, uma mulher tão humana quanto sensacional - a prova que o diretor estava certo em apostar no final feliz de Todas as Mulheres do Mundo.

Confissão: no último Dia Internacional da Mulher eu estava escrevendo uma matéria sobre a data. No desespero para conseguir alguma aspa que prestasse, meio que arrumei coragem e liguei para a casa de Domingos. Foi tudo meio rápido, ele estava de saída. Quem atendeu foi Priscila, que disse achar os tempos atuais uma maravilha para as mulheres, que podem ser livres, e tal - isso em resposta à pergunta extremamente tola e estúpida que eu soltei, nervoso.




Priscila Rozembaum em Carreiras

Domingos tomou o telefone e desmentiu, disse que hoje em dia as mulheres não sabem aproveitar a liberdade e são todas neuróticas, e que as dos anos 60 eram as que sabiam viver com ousadia. Ele se despediu, e os dois continuaram resmungando, como se fosse num filme dele. O texto acabou ficando uma merda, uma matéria de comportamento muito mal amarrada que, infelizmente, ainda foi publicada em página inteira, para o meu constrangimento. Apesar disso, fiquei feliz por alguns dias por ter trocado algumas palavras com pessoas que admiro tanto. Melhor dizer isso aqui no blog, porque, ao vivo, não tenho coragem de tietar ninguém.

quarta-feira, outubro 08, 2008

Steam Heat

Um Pijama Para Dois é um filme menor do gênio Stanley Donen (Charada, Cantando na Chuva), mas tem uma das cenas mais perfeitas de todos os tempos:



Créditos da coreografia para Bob Fosse, claro.

terça-feira, outubro 07, 2008

Tempestade Sobre Washington

Eleições, eleições. Os maiores filmes políticos que vi são americanos. Gosto muito de Frank Capra e sua visão aparentemente ingênua e utópica do que deve ser uma democracia. Há algo de quase demagogo no otimismo dele, mas, por outro lado, seus filmes sempre são fiéis aos princípios de correção democrática que estão na base da construção da idéia de América.

Talvez por isso, um filme como A Mulher Faz o Homem (de Capra) seja muito melhor obra-tese do que visão do cotidiano da vida na política, mesmo nos altos escalões. Para isso, prefiro Tempestade Sobre Washington, de Otto Preminger.

O filme é centrado na batalha no senado americano para aprovar ou não o novo Secretário de Estado indicado pelo presidente americano. Quando um senador de Utah consegue levantar fortes entraves para derrubar a indicação, parte da bancada se mobiliza para descobrir um podre do senador e derrubá-lo.


Laughton (esq) é ACM

O grande sucesso de Tempestade Sobre Washington é a recusa do suspense. Seu andamento é calmo, e as conspiração não são tensas, e sim anedóticas, muito embora sejam também bastante perigosas, e até fatais. Adoro, em especial, a raposa sulista interpretada pelo grande ator inglês Charles Laughton, que tem muito do que imagino ter sido ACM no seu auge: uma mistura incrível de carisma e esperteza.

Tempestade Sobre Washington é de 62... Exatamente nessa época, Robert Drew dirigia seus fascinantes documentários sobre Kennedy, filmes leves e ágeis sobre os bastidores do poder.

quinta-feira, outubro 02, 2008

23

Ano passado, comemorei meu aniversário (2/10) com uma listinha de 22 filmes que venero. Gostei da brincadeira, e repito esse ano, com outros 23 filmes que não estavam presentes no ano anterior. Tomara que vire tradição. Munição não vai faltar:

23 - Touro Indomável, de Martin Scorsese



22 - Pauline na Praia, de Eric Rohmer



21 - Férias de Amor, de Joshua Logan



20 - A Malvada, de Joseph L. Mankiewicz



19 - Corpos Ardentes, de Lawrence Kasdan



18 - Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards



17 - Johnny Guitar, de Nicholas Ray



16 - Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira



15 - Chinatown, de Roman Polanski



14 - Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks



13 - Cabaret, de Bob Fosse



12 - A Noite dos Desesperados, de Sydney Pollack



11 - Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, de Sam Peckinpah



10 - Ondas do Destino, de Lars von Trier



9 - Verão Violento, de Valerio Zurlini



8 - O Eclipse, de Michelangelo Antonioni



7 - E.T., de Steven Spielberg



6 - Amarcord, de Federico Fellini



5 - A Ascensão, de Larissa Shepitko



4 - Uma Mulher Sob Influência, de John Cassavetes



3 - Crepúsculo em Tóquio, de Yasujiro Ozu



2 - Se Meu Apartamento Falasse, de Billy Wilder



1 - Nashville, de Robert Altman