segunda-feira, setembro 29, 2008

Um rebelde indomável

Minha despedida de Newman, no jornal de hoje:

Paul Newman tinha só um ano a menos que Marlon Brando, mas essa pequena diferença foi suficiente para que os atores se tornassem símbolos de eras distintas do cinema americano. Brando, morto em 2004, ainda viveu a glória do sistema de estúdios dos anos 50 – era o “último titã”. Newman, que perdeu sua última batalha para o câncer de pulmão na sexta-feira, tornou-se o rosto de uma Hollywood adulta e amarga que surgiu nos anos 60, em filmes em que a ousadia passou a ser explícita, e não manifesta nas entrelinhas, como na década anterior.

CONTINUA

sábado, setembro 27, 2008

It Had to Be You

Tenho direito a minha cota de preconceitos, mas apenas os cinematográficos: Mulheres - O Sexo Forte tem tudo para ser um filme atroz, mas se não fosse rodado, não Diane Keaton não poderia ter escrito esse texto brilhante sobre ele. É bem rápido, e completamente corrosivo sobre os clichês de "filme de mulher", assunto, aliás, que rendeu a JP Coutinho uma de suas melhores colunas, dedicada a estréia no cinema de Sex and The City.

Mais do que o veneno de Keaton, gosto também de seu indelével bom humor e da ironia autodepreciativa - no texto, ela mostra que sabe muito bem a parte que lhe cabe na construção do filme de mulher estúpido hollywoodiano. Tem semancol, e não perde a piada. Enfim, continua a ser a mulher da vida de Woody Allen. Keaton, it had to be you:

quarta-feira, setembro 24, 2008

Diálogo inglês

- Ele fará qualquer coisa por mim.
- Há um instante você disse que ele não a amava - ele disse com amargura.
- Ah - ela disse -, mas ele tem um terrível senso de responsabilidade.

O Cerne da Questão, Graham Greene

segunda-feira, setembro 22, 2008

Investigando

Eu baixo filmes desordenadamente e não sei como gravá-los. Vez ou outra, olho para a lista no HD e acho que isso tem cara de "diretores maverick dos anos 50", ou coisa do tipo, mas no geral, não tem lógica nenhuma. Hoje acabei um DVD que havia gravado com cinco filmes, todos com cara de "cinema político".

Dois deles o são deliberadamente: A Classe Operária Vai ao Paraíso e Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, ambos de Elio Petri e Palma de Ouro e Oscar de Filme Estrangeiro, respectivamente. Gosto bem mais do segundo, tétrica farsa sobre um policial que comete um assassinato e planta provas contra si mesmo, para testar sua insuspeitabilidade. O cara - Gian Maria Volonté - não é racional como parece seu plano. Ao contrário, é vítima do descontrole que tem o poder, e vejam a cara dele no final, quando sobre epígrafe de Kafka antes dos créditos.



Kennedy, pelas lentes de Drew

Um terceiro filme gravado na mesma mídia é o extraordinário documentário feito para a ABC em 60 e poucos, Crise, de Robert Drew. O diretor repete os lances de intimidade - câmera na mão, registro detalhista - para mostrar os bastidores de um dilema do presidente americano John F. Kennedy. Como convencer o governador do Alabama a aceitar os dois primeiros alunos negros na universidade do estado sem comprometer o apoio sulista às mudanças constitucionais que planejava para meses depois? O filme é um arraso (Nota do editor: Crise existe em DVD, e só baixei porque, na época, nenhuma locadora de Salvador o tinha nas prateleiras. Nunca baixo filmes disponíveis, vale a pena prestigiar as locadoras).

Na minha concepção original, os outros dois seriam coletaralmente politizados. O Chacal de Nahueltoro, de Miguel Littin, é um clássico chileno de 68 ou 69, baseado num caso real. Um homem comete um assassinato brutal de seis pessoas. Vai para a cadeia, onde aprende a ler, escrever, e a ter, finalmente, uma profissão. De tudo isso ele jamais vai tirar proveito, porque está condenado à morte, por fuzilamento.



O chacal recebe sua justiça

Essa espera da própria execução já rendeu grandes filmes para Bresson, Kieslowski, Dreyer e Larissa Shepitko, mas, depois do crime que presenciamos na primeira metade do filme, fica claro que O Chacal de Nahueltoro não é sobre isso. O que fica é o mal estar de um país captado em imagens secas e áridas, sem fetiche, que orgulhariam Glauber Rocha.

Para terminar, a ovelha negra é O Baile dos Bombeiros. Talvez por ter baixado no impulso - eu vi Os Amores de Uma Loura e quis logo assistir a outras coisas da fase checa de Milos Forman - fiquei com impressão errada. O tal baile dá um filme passado em apenas uma noite, em que os bombeiros fazem uma espécie de quermesse. O tom é cômico e doce, cheio da ternura vista em outras produções checas da época - Trens Estreitamente Vigiados e A Pequena Loja da Rua Principal.



André Dussolier e Sabine Azema, num Resnais magnífico

Depois desse DVD, comecei outro, cujo tema é mais tangível: só filmes de Alain Resnais, que alías, está sendo reexibido numa mostra em SP. Ganhei o catálogo de presente do amigo Cláudio Leal, e é um primor de edição. O primeiro filme dessa nova empreitada foi Mélo, de 86, uma das coisas mais belas que já vi. Lindo, maravilhoso, já num registro que me parece ser similar ao último longa dele, Medos Privados em Lugares Públicos. Resnais, que sempre preferiu trabalhar o cinema na sua fronteira com as outras artes, é ultra-teatral nessas duas obras que citei. O amor e os desencontros que provoca talvez seja o tema em comum.

Aquela montagem que conhecemos de Hiroshima, Meu Amor e O Ano Passado em Marienbad nem chega perto: Resnais privilegia o olhar fixo e a continuidade, mesmo que separada em grandes blocos - entra uma vinheta de cortina vermelha. Ainda assim, a recorrência de seu cinema de sonho continua - o truque sai dos travellings alucinantes e passa para o décor. Já o ritmo não é febril, e sim rigoroso. Mais sobre Resnais depois, até porque corro sério risco de falar besteira. Sua filmografia, para mim, está cheia de pontos cegos.

domingo, setembro 21, 2008

Bossa velha

O aniversário da Bossa Nova é ótimo, massa, mas não deveria justificar a existência de uma bomba como Os Desafinados, de Walter Lima Jr. Diego Damasceno acertou em cheio quando disse que os personagens das minisséries históricas da Globo parecem andar com plaquinhas explicativas sobre seus papéis. Essa dramaturgia de Telecurso 2000, infelizmente, desarma o que poderia ser um Nós Que Nos Amávamos Tanto brasileiro, memória carinhosa de juventude para um grupo de amigos.

O filme tem coração, e boa intenção, mas por que alguém tem que acordar e ver na tv o "I Have a Dream" de Martin Luther King? Por que os diálogos têm que ser na base do "Cadê seu passaporte?" / "Esqueci no hotel" / "Está preso, filho da puta"? Por que esse truque ridículo de novela dos oito nas cenas finais, que tenta nos convencer que Rodrigo Santoro é falante nativo de inglês e tem 18 anos?

Estou falando por cima - esse filme é tão recheado de pequenas cenas desastrosas que quase não há espaço para respiração. Para não detonar tudo: pela primeira vez em muito tempo, gostei de Selton Mello aqui. Continua com o humor rápido de tv, mas pegou leve, e o personagem é legal, sátira e homenagem ao cinema novo.

Mas se há uma justificativa para que esse filme exista, ela se chama Cláudia Abreu. Eu sempre soube que aquele rosto merecia os anos 60, que sua presença apaixonada poderia ter cheiro de cinema francês bom, velho. Cláudia Abreu é tão boa (e bela, nua, com seu corpo mignon) que consegue fazer o filme pegar no tranco toda vez que entra em cena, mesmo com a má dublagem nas canções de sua personagem, uma cantora.

Pena que não venha fazendo muito cinema. A última vez que a havia visto foi em O Caminho das Nuvens, em que faz uma mãe nordestina que canta (dessa vez, sim) para sustentar a família e bancar uma mudança para o Rio de Janeiro. Dois papéis totalmente opostos, feitos com igual força.

Enfim, segue o trailer de Os Desafinados. Vão avisados:

sábado, setembro 20, 2008

Longe

Leio com alguma dificuldade O Cerne da Questão, de Graham Greene, não por causa do livro, mas devido à falta de tempo dessas últimas duas semanas. Além da rotina pesada, em casa tenho que ler um livro sobre a indústria do cinema recém-lançado e o conto Janela Indiscreta, de Cornell Woolrich - ruim... - para textos do jornal. Mas vou me empenhar.

A melhor conseqüência da expansão do Império Britânico mundo afora foi para a literatura. É impressionante como os ingleses conseguem refletir sobre sua condição de invasores, e, mesmo com algo de autopiedade, tornar comovente sua relação com o resto do mundo. A tendência é o cinismo, mas, depois de algum tempo num lugar distante, voltar para casa é muito difícil - é quase uma síndrome de Estocolmo em relação a um local opressor, e não a uma pessoa.

Graham Greene é meio símbolo desse domínio no século 20 - foi espião, viveu na África, quase desertou para aliar-se à União Soviética, esse tipo de coisa. Em O Cerne da Questão, o cenário é Freetown, capital da Serra Leoa, cidade sob domínio inglês mas com gente de todo lugar - sírios, turcos, europeus, etc. Fãs de Said podem indignar-se à vontade: os locais estão bem longe da nossa vista, como objetos de cena. Quando terminar, talvez poste mais alguma coisa.

domingo, setembro 14, 2008

Cegueira

Eu temia muito que Ensaio Sobre a Cegueira desandasse rumo a algo próximo de Babel, de Alejandro Gonzalez Iñarritu. Acho que é essa idéia meio universal de Meirelles, de escalar atores de diversas origens, filmar em três países, além da obrigação de fazer seu filme passar como um comentário sobre o mundo, do mesmo jeito que o livro de Saramago parecia ser quando foi lançado.

Graças a Deus, estamos livres da pieguice moralizante do diretor mexicano, porque Meirelles me parece muito mais interessado no efeito visual de se retratar a cegueira do que em sustentar um discurso alheio. Gosto muito do que o filme é, quadro a quadro: imagem como fluido, instável, fugidia, sempre querendo voltar ao branco saturadão do mar de leite descrito por Saramago.

Essa instabilidade na tela, acho, é perfeita pro cinema do diretor, que faz filmes cuja próxima imagem é sempre imprevisível. Onde vai estar a câmera. Não me parece exibicionismo, mas um gosto pelo impoderável, uma vontade de incorporar o imprevisto, como ele mesmo diz.



Fora isso, o filme não tem a força que poderia ter, vindo da fonte que veio. Quando li Ensaio Sobre a Cegueira tive um registro na mente próximo ao de Salò, o infame filme de Pier Paolo Pasolini sobre o último reduto nazista na Itália - até hoje, a coisa mais apocalíptica já posta numa tela de cinema. Difícil cobrar de Meirelles o ímpeto radical de Pasolini, mas o filme não fica nem na metade.

Há alguma coisa enxugada e diluída do original, desde a ausência gráfica do horror - sangue e merda -, até o tempo que ficamos expostos à situação-limite em que se encontram os personagens. O ritmo do filme parece apressado às vezes, incapaz de descer ao inferno de verdade.

Por outro lado, eu mentiria se dissesse que essa adaptação não tem força. Há uma celebração singela e inesperada de pequenos sentimentos que toca pela sutileza, uma vontade de mostrar que as pessoas devem ficar com quem gostam, bem perto. O tom disso é discreto, quase na entrelinha, mas é o que dá sustentação ao filme. Posso bem imaginar o tom grandiloqüente que o Inãrritu usaria para rodar esse tipo de coisa. Ah, claro: Julianne Moore, mais uma vez, dá seu show.

sábado, setembro 13, 2008

Marcando passo

Um Garota Dividida em Dois... Chabrol me parece preso num limite auto-imposto de qualidade. Desde Mulheres Diabólicas, de 90 e poucos, ele não chega à genialidade de jeito nenhum, mas também não erra. É desconcertante ver um filme prazeroso como esse, e, ao mesmo tempo, lembrar que o diretor já foi muito mais longe e parece não ter mais disposição de ser sublime como sabe ser.

Na Folha, Inácio Araújo estava encantado pela pouca vontade de impressionar deste novo Chabrol. Eu gosto e não gosto. Por um lado, estamos totalmente livres de firulas, maneirismos e outras besteiras de diretores que não sabem o que fazer atrás da câmera (Sean Penn?). Por outro, tanta segurança está a serviço de quê?




De um filme sólido e apenas sólido. Trocava as seis últimas obras boas dele por apenas mais um filme brilhante, algo do nível de O Açougueiro, A Besta Deve Morrer, ou A Mulher Infiel.

Para não falar dos prazeres de Uma Garota Dividida em Dois sem ser complacente, fiquemos nos atores: Ludivine Sagnier é extraordinária. O papel de loura inexperiente e meio inculta não é fácil, e me impressiona como ela passa ao largo da caricatura de Marilyn Monroe e encontra um prumo de normalidade num papel que tende ao exagero. De algum jeito, é uma atuação que me lembra Rosane Mulholland, também perfeita em Falsa Loura. Não precisa nem dizer que são duas mulheres belíssimas, claro.

quarta-feira, setembro 10, 2008

Travessia

Bem chato o Roda Viva com Fernando Meirelles, que foi ao programa ontem à noite. No final, Lillian Witte Fibe faz graça e resumiu a conversa: "A gente tratou ele como se fosse campeão olímpico". De entrevistadores sem muito a dizer, somente se salvou, claro, Luiz Carlos Merten, e Rodrigo Salem, da SET, responsável pelo lado frívolo das perguntas ("Já voltou com Kátia Lund?". Boa).

Meirelles, simpático, não fez questão de render muito papo, mas ele é muito melhor que isso. Os blogs que ele fez durante as filmagens de O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira são muito bons. Pessoalmente, só conheço dele Cidade de Deus e Jardineiro...

Eu reconheço o incrível impacto do primeiro, mas não ache que sobre mais que isso. É um filme de força, que sabe apertar parafusos de maneira sensacional. A gente leva para casa a sensação de ser triturado, mas nada muito mais que isso. Do ponto de vista humano da coisa, Cidade dos Homens, de Paulo Morelli, é um filme muito superior... mas não é melhor cinema.



Mais impacto que humanidade

O Jardineiro Fiel
é bom, mas os atores são ainda melhores. Eu já sabia que Ralph Fiennes podia ser ótimo desde O Paciente Inglês, um filme muitíssimo subestimado pela crítica (ganhar 9 oscars não significa prestígio, até depõe contra), e ele ainda detona em Fim de Caso, Spider, e principalmente em Paixão Proibida.

Digressão. Acho que nunca falei desse filme aqui, mas ele tem um título comum e não merece ser confundido. Em 1996, Mike Winterbottom adaptou Judas, O Obscuro - meu livro preferido - e tascou esse título. O filme é bom, Kate Winslet é fenomenal. Ano passado, um tal de Silk, com Keira Knightley, recebeu o mesmo nome aqui no Brasil.

Não vi esse último, mas acredito que o melhor "Paixão Proibida" dos três seja mesmo o com Ralph, dirigido pela irmã dele, Martha. É lento e gelado, dolorosamente romântico, como se aquela cena do livro The Age of Innocence, de Edith Wharton, em que as lágrimas congelam nas pálpebras de Newland Archer, se alongasse para sempre. Filme lindíssimo, visualmente muito sofisticado, e narrado a conta-gotas. (Adaptação de Eugene Onegin, de Pushkin)



Ralph Fiennes, no topo da carreira

Fiennes está maravilhoso aí, mais do que em O Jardineiro Fiel, onde é apenas "excelente". O show ali é de Rachel Weisz, linda, perfeita, e ainda mais em My Blueberry Nights, que decanta melhor depois que passamos a não exigir de Wong Kar-Wai seja sempre genial. O filme é descompromissado e prazeroso, e basta.

Aproveito a digressão para abandonar Meirelles de vez e ficar em Wong Kar-wai. Caetano cantando Currucucu Paloma virou meio que símbolo de Fale Com Ela, de Almodóvar, mas já estava gloriosamente implantada na cena final de Felizes Juntos. Filmaço, e agora tem DVD, nas melhores casas so ramo. Não sei se quero rever. Vi no cinema, saí tonto. Talvez seja o melhor WKW. Mas, Saymon, e Amor à Flor da Pele? Pois é, mas a dúvida ainda existe.

>>> Tenho sido perseguido por essa versão de Travessia, por Bjork, desde que ouvi pela primeira vez, esses dias. Nunca dei muita bola para Clube da Esquina, essas coisas - embora respeite -, mas a remixagem islandesa, com letra em português, é de tirar o fôlego. Nos seus melhores momentos, Bjork (de quem também não sou fã) consegue dar uma elevação espiritual, bíblica, às canções que interpreta. Não à toa, o dueto com Peter Stormare (dublado pro Thom Yorke) em Dançando no Escuro fica gravado para sempre na retina, como uma imagem a ser mostrada a Deus, Ele mesmo.

domingo, setembro 07, 2008

O dia do Imperador

Akira Kurosawa morreu há exatos dez anos, de ataque cardíaco. Há muito mais cinema no Japão do que a filmografia dele, mas isso nem de longe quer dizer que ele seja superestimado. Eu adoro quase tudo dele, seja a dinâmica de Os Sete Samurais ou o tom hierático e solene de Ran, ou Trono Manchado de Sangue.

Gosto muito também de coisas menos famosas dele, como o magnífico policial Céu e Inferno, de onde surgiu muita coisa usada por Michael Mann em Fogo Contra Fogo, ou o divertidíssimo A Fortaleza Escondida, um dos melhores filmes de entretenimento puro do cinema, da mesma casta de Os Caçadores da Arca Perdida, de Spielberg, ou Capitão Blood, de Michael Curtiz.

TOP 10 Kurosawa ilustrado:

10 - Viver



9 - O Barba Ruiva



8 - Yojimbo



7 - A Fortaleza Escondida



6 - Kagemusha



5 - Rashomon



4 - Céu e Inferno



3 - Os Sete Samurais



2 - Ran



1 - Trono Manchado de Sangue

quarta-feira, setembro 03, 2008

Fraude

Mesmo nos seus melhores momentos, Sean Penn dificilmente foi um ator sutil. Eu gosto da idéia de que ele é o Marlon Brando da nossa geração (anos 90). É extraordinário, mas é (quase) sempre maior que a vida, para usar a expressão americana.

Embora seus personagens sempre existam com força em uma dimensão interior (a gente olha na cara dele e vê os conflitos, mesmo em silêncio), é difícil não achar que, muitas vezes, o que já está nos olhos dele é salientado por um gesto, um sotaque estranho, um grito no auge da cena. Não estou falando mal dele, ou de Brando. Só acho que eles talvez sejam bons atores demais, diferentemente de um Paul Newman, que é magnífico sem nenhuma nota desnecessária.

Isso tudo é para dizer que entendo muito bem por Penn não cola como diretor. Sem a intensidade inata que consegue projetar apenas pela presença, em cena, só resta a sobra, o excesso. Nos seus quatro filmes até hoje atrás das câmeras, o cara tenta desesperadamente se estabelecer como um grande maverick, outsider do oeste como Sam Peckinpah ou Clint Eastwood.



Penn, dirigindo Emile Hirsch

Quando o vejo reduzir essa idéia a um lobo sangrando no início de Unidos Pelo Sangue, ou à dança dos cavalos em Na Natureza Selvagem, só tenho uma idéia: ele não sabe onde parar. Falta precisão ao cinema de Sean Penn. Unidos..., a estréia na direção, sofre por sua ingenuidade imagética. Ele faz desmoronar sobre a platéia clichês de cenas pesadas e tristes: um assassino inquieto que se manda sozinho pela estrada, o apelativo suicídio de Charles Bronson, etc. Para cada momento potencialmente forte desses, um toque na guitarra, pretensamente lancinante.

Acho que já falei disso aqui, mas Acerto Final, com jack Nicholson, é um dos piores filmes que já vi. O coitado do Nicholson é um pai desesperado com a saída do matador de seu filho da cadeia. Ele vai procurar por vingança. Em rigorosamente todos os diálogos há um intervalo de cinco segundos entre cada fala. A vontade de soar humano, incorporando o silêncio da vida real, acaba engessando o filme numa dramaturgia indie extremamente pobre - diálogos anulam quela quer verdade, mesmo e (principalmente porque) que se possa contar de um a cinco entre as frases.

Eu gosto de A Promessa, acho ok, e Penn tem prestígio suficiente para reunir um elenco que vai de Vanessa Redgrave a Helen Mirren em pequenas pontas, sem falar com Nicholson, dessa vez maravilhoso de verdade. O filme é lerdo de uma maneira inconvincente. Sem contar que Bruno Dumont fez coisa muito parecida e incrivelmente melhor com A Humanidade, um dos filmes da década de 90.

E aí chegamos a Na Natureza Selvagem, que reestreou essa semana na Sala de Arte e já saiu em DVD. Bom..., que lástima.

segunda-feira, setembro 01, 2008

Young Americans

Depois de um longo e indesejado jejum literário, atravesso com braçadas phélpicas A História de Mildred Pierce, de James M. Cain, livro dos anos 40 publicado em maio pela Companhia das Letras, dentro da sua coleção policial. A inclusão no gênero, nesse caso, é um despiste. Cain forma a divina trindade do noir americano com Chandler e Hammett, mas esse livro não é isso.

Pensá-lo em relação a um gênero é falar de melodrama, e dos grossos. Há toda uma tradição inspirada nesse plot, tampouco original, da mãe bondosa e pobre atormentada pela filha esnobe e ambiciosa. Mildred Pierce se separou do marido e está na merda, em plena Depressão. Vai cozinhar para fora e abrir um restaurante até ficar rica, mas, para a filha, não perder o cheiro de fritura.



James M. Cain

Se pela sinopse o romance parece desinteressante, qualquer pessoa familiar à escrita do autor sabe imediatamente que não há nada de choroso nessa história. As palavras constroem, ao contrário, uma trajetória de vítima que seca a cara e vai à luta, americanamente, mas cada detalhe dessa ascensão é visto com um filtro desgraçadamente cáustico.

O efeito é ambivalente. Estamos colados em Mildred Pierce, com ela pro que der o vier, sabiamente eficiente para ganhar dinheiro mesmo sem nenhuma experiência em negócios - enfim, uma natural. Entretanto, mas é difícil não rir alto da coitada, atingida pelas navalhadas de Cain, que, sem escrever isso explicitamente em nenhuma linha, não deixa de se identificar com a visão da filha de Mildred, a adolescente mimada e pestinha. Pobres e jovens americanos, tão patéticos.

Eu separei no texto vários momentos em que essa ironia geral age da maneira mais cortante, mas, claro, não dá para postar tudo aqui. Vou transcrever só um trecho, o mais fácil de achar, porque é final de um capítulo. Nesse momento, vesmos Mildred numa lanchonete, depois de passar um dia inteiro procurando emprego. As garçonetes brigam, e Mildred percebe que pode ser útil ali - suas tentativas de trabalhar anetriores foram frustradas porque ela só sabe fazer coisas domésticas. No entanto, a perspectiva do uniforme e do ambiente é uma tortura.

"Ela olhou para o copo d'água e tomou a decisão final, irrevogável. Não faria aquele tipo de trabalho, se não estivesse passando fome. Pôs uma moeda sobre a mesa. Levantou-se. Foi até o caixa e pagou a conta. Então, como se caminhasse para a cadeira elétrica, ela deu meia volta e seguiu no rumo da cozinha".


Apesar da excelência e da uniformidade do texto, em seu ritmo marcado pelos "impulsos primários da ambição e do sexo", como diz a crítica do NY Times destacada na capa, outra vez tive a impressão de que a habilidade literária de Cain pode ser brilhante no frase-a-frase, mas não o é no todo. Eu li Dupla Indenização (agora editado como Indenização em Dobro), e há a mesma sensação de que o livro foi longe demais no plot, que uma mudança de estrutura deixaria o resultado muito melhor. Em Mildred Pierce, pelo menos o resultado não é exatamente ruim, como em Dupla Indenização, mas é clara a sensação de que o autor não atingiu o auge.

Aliás, Mildred Pierce teve uma excelente adaptação em 1945, Alma em Suplício, dirigida por Michael Curtiz, com uma retumbante Joan Crawford no papel principal - ela venceu seu único Oscar no filme. No roteiro, que teve colaboração não-creditada de Faulkner, um assassinato é plantado na história, o que ajuda a tudo se resolver de maneira mais concisa e objetiva, e melhora o plot. Curiosamente, Raymond Chandler e Billy Wilder também melhoraram a trama de Dupla Indenização em Pacto de Sangue.



Joan Crawford, perfeita em Alma em Suplício

Essa dificuldade em resolver os livros talvez explique porque James M. cain é prioritariamente conhecido por O Destino Bate à Sua Porta, seu primeiro romance. Ali, nada está fora do lugar. Se o texto atinge ápices inatingíveis - o apogeu de todo um gênero - com suas marretadas insuportáveis, há também uma estrutura impecável para dar suporte à essa habilidade literária. É um livro sem pontos cegos, com um final que chega na hora que tem chegar, cheio de impacto. Não é apenas um plot eficiente para dar vazão ao fraseado do cara; é um trama brilhante também, com a força de um trator. Pensando bem, não é só um apogeu de um gênero, é uma das melhores coisas escritas nos Estados Unidos no século passado.