terça-feira, dezembro 27, 2011

2011

Bom, abaixo tem um resumo do que mais gostei no circuito comercial de cinema em 2011, usando como parâmetro o calendário de Salvador.

Antes dos dez filmes, um destaque brasileiro, que também é um mea culpa por ter perdido muita coisa e um voto de confiança pruma sensibilidade que adorei, mesmo que ainda tenha ainda muito a crescer como cinema:

A Alegria - Um Filme de Super-Heróis, de Felipe Bragança e Marina Meliande

Outros cinco filmes muito bons que poderiam ter entrado na lista, em ordem alfabética:

Bravura Indômita, EUA, de Ethan Coen e Joel Coen
Homens e Deuses, França, de Xavier Beauvois
Mother - Em Busca da Verdade, Coreia do Sul, de Bong Joon-ho
Potiche - Esposa Troféu, França, de François Ozon
Um Sonho de Amor, Itália, de Luca Guadagnino

10 - Além da Vida, EUA, de Clint Eastwood

Poderia ser um frankenstein, um filme de tendências espíritas assinado por um agnóstico, mas dado o tom materialista do todo, o que interessa aqui é uma angústia universalmente compartilhada de perder quem se ama e de sempre tentar recomeçar mesmo sem as pessoas e as coisas que perdemos no caminho. Mesmo a possibilidade do além aqui representa um conforto, mas não é uma muleta para a vida: como o garoto gêmeo aprende no final, é preciso libertar-se, assumir o protagonismo da própria existência. Em tempo: esse ritmo Clint de explorar pessoas, cenas e momentos deveria ser patenteado.

9 - Poesia, Coreia do Sul, de Lee Chang-Dong

Fazia tempo que não aparecia um filme tão forte sobre criação, e sobre como isso consome mas renova quem quer canalizar o que sente em forma de arte. Não se trata aqui de um filme sobre o bloqueio criativo de um artista pronto, mas do brotar dessa necessidade de expressão em quem nunca havia tido a oportunidade, o incentivo, o direcionamento para isso. A força do filme reside no fato de que sua protagonista não consegue inspiração a partir de uma beleza formal exterior, óbvia a seus olhos. Vem de dentro o troço, de uma dor profunda que só uma vida à beira dos 70 anos conseguiu acumular. Só assim ela consegue traduzir-se. Vertigem em linguagem.

8 - Vênus Negra, França, de Abdellatif Kekiche

O filme político do ano, um conto de horror sobre uma mulher lutando pra viver e seus algozes. Sem perder o foco pessoal, o filme faz uma grande metáfora da colonização da África na violação do corpo de uma mulher: do assombro com o exótico e a exploração cruel e parcialmente consentida, até o abandono e o distanciamento desse processo na forma de ciência, como um "estudo de caso" despersonalizado. Extremamente desagradável.

7 - Contracorrente, Peru, de Javier Fuentes-León

Esse aqui é uma pérola peruana, com grande senso de comunicação e perfeita manifestação de uma certa identidade sul-americana, seja numa historinha de amor clandestino e personagens arquetípicos, seja no formato de cinema simplíssimo, à altura de uma novela das seis. Simples, não simplório: o filme vence na sua narrativa limpa, como se fosse de um grande contador de histórias, e num romantismo delicado e ecumênico, que é a cara dessa América Latina do interior. Parece uma adaptação de Jorge Amado, meio Mar Morto, tanto em ritmo quanto em tristeza.

6 - Como Você Sabe, EUA, de James L. Brooks

Acho que é melhor comédia romântica americana (o que exclui Richard Curtis e cia) desde Feitiço da Lua, um filme de ternura vintage, com muito mais interesse em perfis humanos (hollywoodianos) do que em sarcasmo e grosseria. Maravilha a falta de pressa de resolver as coisas, e a sensibilidade para que personagens secundários possam mostrar que têm vida própria, planos, sentimentos... Enfim, hollywood de corte 1940, primo de algum filme de Capra, ou de A Loja da Esquina.

5 - Um Lugar Qualquer, EUA, de Sofia Coppola

Sofia Coppola brincando de Alice nas Cidades, com a mesma paixão por silêncios, clima, ambientação (de novo, ela sabe filmar hotel). Um filme sobre preguiça, entupido de cenas definitivas sobre esse estado de espírito entre o conforto e o tédio, como acordar num colchão fofo, afogado em lençóis brancos, e não dar muita pelota pra vida. Há consequências, no entanto.

4 - Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, Tailândia, de Apichatpong Weerasethakul

O que mais encanta nesse ovni é que essa realidade meio animista não pede a mínima permissão pra se instalar na tela. A realidade é aquela, e nesse mundo a morte é de uma paz construída sem esforço e sem lamento, com uma espiritualidade conjugada mais na natureza e menos no invisível. Há, no entanto, uma sensação delicada de nostalgia, de que o isolamento para morrer é uma defesa em relação à mudança de costumes, à própria passagem do tempo.

3 - A Pele Que Habito, Espanha, de Pedro Almodóvar

Almodóvar parece enfim resgatado dos labirintos pessoais que ameaçavam acabar com o seu cinema e parte para algo um veio novo, mesmo que composto a partir de preocupações velhas. Sim, este é mais um Almodóvar sobre tesão e identidade sexual, mas a embalagem gélida de horror, sadismo e crueldade é completamente inédita, longe da generosidade dos seus melodramas e do escracho de suas comédias. O diretor violenta e dessacraliza o corpo com agressividade clínica e narração impressionante, mas preserva com muito respeito a ideia de personalidade e consciência.

2 - Cópia Fiel, França/Itália, de Abbas Kiarostami

Kiarostami agora está na Europa mas seu cinema continua trazendo o mesmo interesse iraniano pela Estética, além da capacidade reconhecida que os cineastas daquele país têm de traduzir reflexões sofisticadas numa estrutura límpida de cinema. O filme continua Close-Up, Através das Oliveiras, O Espelho (de Jafar Panahi) e Um Instante de Inocência (de Makhmalbaf) no teste dos limites da ficção e de seu eterno atrito com as noções de realidade. Afirma uma contradição aparentemente inconciliável do que é real em cada uma de suas partes, para, no fundo, repetir Orson Welles: é tudo verdade.

1 - A Árvore da Vida, EUA, de Terrence Malick

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Um filme em forma de prece com as maiores ambições do mundo: opor para reconciliar o liliputiano homem e o infinito universo, a Natureza e a Graça, com letra maiúscula. Terrence Malick, mais livre e sensorial do que nunca, pesa a mão com toda a força apenas para capturar como mais ninguém a leveza efêmera da vida, mesmo quando ela é plena de dor. Uma obra-prima absoluta, sem ressalvas, já que seu voo sem limites de cinema e pensamento eclipsa com sobras os momentos mais tortos, inevitáveis num filme que mira alto desse jeito. Reescrevendo e citando Carlos Reichenbach, fico com uma frase dele sobre outro filme divisivo que amo, Lavoura Arcaica: excessiva e imperfeita como toda obra-prima.

Melhor ator do ano: Lambert Wilson, Homens e Deuses
Melhor atriz do ano: Juliette Binoche, Cópia Fiel