segunda-feira, dezembro 31, 2012

TOP 10 2012

Amigos, aos trancos e barrancos chegamos ao fim de mais um ano, e, como sempre, compartilho a lista dos meus filmes preferidos desses últimos doze meses. Ainda moro em Angola, mas a referência é o que estreou em Salvador. Como perdi muita coisa ao longo do ano, tentei compensar agora em dezembro, então muitos filmes ainda estão ainda quentes na cabeça, sem tempo para decantação. Talvez com uma semana ou mais eu me concilie com As Aventuras de Pi, um belo filme cheio de problemas óbvios, mas um belo filme mesmo assim. Ou talvez entenda melhor o que achei de Um Verão Escaldante, o primeiro Garrel que vejo...

Mas vamos à lista:

10 - A Invenção de Hugo Cabret, EUA, de Martin Scorsese

Deus proíba, mas esse poderia ser o último filme da carreira de Scorsese, com honra. Uma síntese do seu amor pelo cinema, pelos livros, pela crítica, tudo isso afirmando a necessidade de se preservar as obras de arte, e, em última instância, celebrando a História, uma outra História a partir do ponto de vista de quem por ela foi atropelado. A foto em 3D de Robert Richardson é um assombro.

9 - O Que Eu Mais Desejo, Japão, de Hirokazu Kore-eda

Depois de ter perdido todos os seus filmes desde Ninguém Pode Saber, vejo que Kore-eda não fala mais de morte e luto, mas de vida. Apelar para criança em geral é golpe baixo, mas favor não confundir otimismo com fofura de boutique. A beleza desse filme é real.

8 - Cosmópolis, Canadá, de David Cronenberg

Há quem discorde de que Cronenberg esteve em entressafra, mas acho que esse filme é um volta à forma. Uma volta à sensação hipnótica de estranhamento das suas melhores obras, sem o conforto de uma relação com gêneros ou modelos narrativos que minimizavam um pouco o efeito de suas preocupações autorais. Temos de volta um Cronenberg puro sangue, imprevisível, perturbador (mas acho que ele pode ainda dar uma desintelectualizada, voltar a filmar mirando o nosso sistema digestivo).

7 - Trabalhar Cansa, Brasil, de Juliana Rojas e Marco Dutra

Depois de A Alegria, ano passado, outro flerte muito feliz do cinema brasileiro com o fantástico, mesmo que seus monstros pareçam mais uma metáfora de malaise social, uma materialização do mal estar dessa classe média que é o centro das atenções da sociologia e dos estudiosos de comportamento na atualidade. Qualquer que seja o conceito atrás dessa ideia, quanto clima, quanta segurança na capacidade de incomodar, tanto com sua atmosfera de terror quanto com o terror de nossas relações sociais.

6 - Jovens Adultos, EUA, de Jason Reitman

Um grande roteiro que nos mostra finalmente que Diablo Cody é muito mais do que sarcasmo. Aliás, é esse sarcasmo que ela desconstrói cena a cena com as suas próprias armas, transformando em um diagnóstico de doença mental a impossibilidade de se levar qualquer coisa a sério sem um duplo sentido ou um olhar malicioso. Reitman dirige tudo atento, se virando com uma falsa comédia muito engraçada mas sempre triste, se você olhar de perto. Charlize Theron tem a atuação da carreira.

5 - O Espião Que Sabia Demais, Inglaterra, de Tomas Alfredson

Se Theron foi a melhor atriz do ano, o melhor ator foi Gary Oldman, comandando um séquito de coadjuvantes incríveis num quebra-cabeça de espionagem. Tudo muito frio e impecavelmente confuso, com aquela marca de edição lenta e composições de imagem primorosas que revelaram o diretor Alfredson em Deixa Ela Entrar. Chama a atenção a extrema confiança em não criar redundâncias para deixar a trama mais fácil, muito provavelmente porque são as pessoas e não o plot que realmente importam nesse filme.  

4 - A Separação, Irã, de Asghar Farhadi

Provavelmente o filme falado mais eletrizante desde Maridos e Esposas, de Woody Allen. Com uma capacidade memorável de continuar a tirar coelhos da cartola em seu roteiro até o último minuto, Farhadi é um mestre na arte de complicar situações, não apenas pela pura tensão, mas para explorar ao máximo aspectos morais e sociais da vida de seus personagens.  O filme beira o sadismo, é verdade, mas de um ponto de vista estrangeiro nenhum dos problemas soa falso e ele abre uma janela rara para um Irã moderno, adulto, urbano, menos neorrealista e mais urgente.  

3 - Fausto, Rússia, de Aleksandr Sokurov

Sokurov parte de um dos mais conhecidos mitos da história para nos desobrigar de segui-lo, e conduzir o nosso olhar para os detalhes, cena a cena, sobretudo visuais, desde o horror da dissecação de um corpo, vísceras à mostra, a uma manifestação divina, vinda dos céus. Entre esses dois momentos, uma inesquecível viagem pictórica administrada pelo fotógrafo-gênio Bruno Delbonnel. A questão do poder, objeto da tetralogia que este filme encerra, é apenas secundária e superficial - todo horror evocado é resultado do que se vê e as palavras parecem mais som ambiente do que algo com real significado. O que importa é recriar uma descida ao inferno com luz e cor. Magistral.

2 - Um Alguém Apaixonado, Japão, de Abbas Kiarostami

Continuação informal de Cópia Fiel com outro conto diabolicamente simples sobre estranhos que parecem cada vez mais próximos, e talvez o sejam, porque identidade é algo extremamente relativo nesse filme e no anterior do diretor, já que as pessoas são múltiplas, têm várias vidas numa só e se comportam de maneira difícil de antecipar. Assim que essa ficha cai, a sensação é de que absolutamente tudo pode acontecer, especialmente quando o motor dos atos em questão é o amor. Acho que podemos cravar que Kiarostami é o maior diretor do mundo hoje, não?

1 - Holy Motors, França, de Leos Carax





Por coincidência, um filme que parece ter algo de Kiarostami com essa ideia das múltiplas identidades de uma só pessoa, mas acho que aqui estamos diante de um corte puramente cinematográfico, de um filme inscrito nos limites do trabalho de um ator que pula de papel em papel, de vida em vida. O universo de Holy Motors é puro cinema, salas de exibição, sets, e não à toa o seu norte é hitchcockiano, com uma atriz chamada Eva Grace vestida de Kim Novak caindo para a morte do alto de um prédio. Ao contrário de Judy, em Um Corpo Que Cai, ela não viveu apenas duas vezes. Além de suas ideias instigantes, me parece a coisa mais bem filmada do ano, algo digno dos melhores dias de um Brian de Palma, com seus longos planos e imagens insinuantes. Como disse Inácio Araújo certa vez sobre Entre os Muros da Escola, esse filme é tão bom que dá vontade de morar nele.

sexta-feira, dezembro 28, 2012

A Vida de Pi, o filme

Nessa adaptação de A Vida de Pi em cartaz, Ang Lee me pareceu bem desconfortável ao lidar com o ponto de vista do livro a respeito de crenças, religiões e Deus. Todas as cenas em que o Pi mais velho aparece contando a sua história me pareceram duras, pesadas, rangendo - ou talvez seja a ideia dos indianos falando inglês com sotaque e soando tão mal, algo que na leitura não fazia diferença alguma.

Ainda que seja isso, Lee me pareceu pisar em ovos em toda a primeira parte da história, na qual acompanhamos em breves pinceladas a trajetória do garoto Pi até o dia em que se vê náufrago num bote salva-vidas com a companhia de Richard Parker, um tigre de bengala. 

Da cena do naufrágio em diante, no entanto, Ang Lee se solta e mostra porque é um dos maiores encenadores do cinema contemporâneo. Cada movimento é preciso, cada ângulo impressiona, e toda a virtuose de Yann Martel na criação de seu conto fantástico de sobrevivência chega intacta e potente na tela, em impressionante 3D. O filme é um triunfo visual absoluto.

Uma cena em especial, se destaca, a segunda tempestade que Pi enfrenta, já no bote, na qual Pi parece numa batalha de resistência contra Deus, perfeitamente encarnado em trovoadas, relâmpagos e muita chuva. Nesse momento de puro animismo (me lembrou muito a chuva de Japão, obra-prima de excesso de Carlos Reygadas, sem ter que apelar para A Paixão de São Mateus na trilha), Lee consegue finalmente conjurar uma magia que no livro existe fácil através de palavras assertivas e labirintos de discurso, mas que é difícil de transpor pra tela.

O livro era um conto fantástico dentro de uma estrutura quase de ensaio argumentativo - justamente o que lhe deu a fama de inadaptável. Quando lida apenas com o fantástico, Lee detona, mas só nesse momento da tempestade e no reflexo de todo o universo no fundo do mar ele consegue conciliar essas duas dimensões do livro, religar a história de sobrevivência à tese que a motiva.


Ao fim, no entanto, o final ambíguo insiste em não prestar-se à encenação, mesmo mal que acometia a adaptação de Reparação, de Ian McEwan. Quando o filme volta a seu ponto de partida para fechar suas ideias, aquela sensação de dureza na encenação também retorna, massacrando o filme, e sem render o gambito literário genial que fazia do livro uma fonte de ideias realmente profundas sobre a relação das pessoas com as narrativas que as fazem sobreviver, estejam essas narrativas na forma de religião, de arte, ou da religião como uma forma de arte.

O seu ponto de que há mistérios indecifráveis na vida e várias possibilidades de lidar com isso chamava o leitor à responsabilidade de criar a narrativa da sua própria vida, como uma escolha pessoal. Muito embora o livro advogasse claramente um ponto de vista a respeito (Pi prefere acreditar em Deus, sim), Lee patina tanto nessas cenas que acaba praticamente pregando uma coisa que não sei se ele acredita - o que acaba por vulgarizar uma ideia muito mais pungente que a mera evangelização.

Eu estava bem confiante na habilidade de Lee em se virar com esse pepino, já que boa parte da sua obra é baseada em uma dualidade entre instinto e razão. Basta pensar em Razão e Sensibilidade, Tigre e Dragão, Desejo e Perigo, Bruce e Hulk, Jack e Ennis... A história de um biólogo fascinado por religiões parecia-lhe uma oportunidade única de acrescentar mais um aspecto a essa preocupação autoral, mas ele foi traído pela estrutura. Enquanto todas as dualidades anteriores repousavam confortavelmente no terreno da trama, A Vida de Pi é alicerçado numa dicotomia em sua própria tessitura narrativa, e Lee não segurou a onda o tempo todo.

Dito isso, esse éo meu ponto de vista com base em um amor declarado pelo original de Yann Martel. Para quem vê o filme sem essa referência, muito provalmente o que está na tela é um belo filme espetacularmente bem narrado com uns problemas de indecisão no roteiro e de dureza no texto e no estabelecimento de uma moral para a sua história.

Moral da história: não deixa de ser, ainda, um belo filme.

PS: Já escrevi sobre o livro aqui

sábado, dezembro 01, 2012

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos

Lição do dia é nunca subestimar Woody Allen. Venho detestando sistematicamente seus filmes há bom tempo, especialmente pela preguiça que antes diziam ser apenas visual, mas que passou a atacar a sua escrita. Vimos uma série de filmes subdesenvolvidos com pontos bem baixos, como Melinda e Melinda, até um ponto que eu comecei a "perder" de propósitos algumas de suas produções.

Ora, vejam só. Ano passado o dolorosamente medíocre Meia Noite em Paris ganhou Oscar e bateu recordes Allen de bilheteria, mas eu acabo de descobrir que o seu filme do ano anterior, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, é que é realmente excepcional. Temos uma falsa comédia cheia de jazzinho animado mas completamente amarga, pessimista e afiada como uma navalha, que disseca com exemplar ceticismo todas as nossas necessidades de fuga pra não encarar de frente tudo que há de pior na vida.

É um filme violentíssimo, mas há uma dose considerável de compaixão que impede que isso aqui seja, sei lá, um filme de Todd Solodz, com personagens chicoteados para o prazer de uma plateia cínica. No fim das contas, Allen acaba simpático à sua turba de perdedores, mesmo que suas pequenas vitórias sejam as únicas possíveis e, por essência, derivadas de uma vontade de auto-ilusão.

Pode-se sempre discordar de um fatalismo tão ostensivo e acreditar em um ponto de vista mais ensolarado sobre a vida, mas, bom, é difícil contestar que aqui Allen defende com bastante eloquência seu pensamento, em excelente cinema e texto. Vê-lo dedicado a superar essa dita preguiça não deixa de ser um alento de que, entre tantos filmes descartáveis, vez por outra ele volte à forma. Estamos sempre na torcida.

terça-feira, novembro 13, 2012

Uma paixão tardia por Manoel de Oliveira


Meio difícil achar qualquer texto sobre Manoel de Oliveira que não mencione a sua condição de centenário, mas essa insistência é absolutamente necessária para iluminar o que é o cinema que ele faz, hoje.

Não se trata de amar os seus filmes por condescendência, mas de entender que um olhar de 103 anos é mesmo um olhar de 103 anos, e que este olhar foi formado em outra época, e que a impressão que se tem ao ver os seus filmes mais recentes é de que ele é capaz de conjurar todo um ponto de vista praticamente perdido no tempo por meio de um cinema que seria moderno tanto nos anos 10 do século passado quanto neste século agora. Ver os seus filmes dá a sensação de estar diante de um último homem de alguma etnia, o último falante de uma língua, algo assim.

Eu tenho aquela caixa de 22 filmes de Oliveira, mas nem cheguei perto de ver todos, e meu grau de afeição em relação à sua obra variava entre a indiferença e a admiração contida, a depender do caso. Semana passada, por algum ímpeto inesperado, encarei Singularidades de uma Rapariga Loura e O Estranho Caso de Angélica um após o outro e fiquei completamente encantado, com a sensação de ter visto duas obras-primas absolutas.

São dois filmes contemporâneos, mas que parecem querer nos levar a alguma outra época, no ritmo, no tom da fala, nas coisas que as pessoas falam, nos silêncios, e em interiores que passariam facilmente por cenários de um filme de época sem que isso se converta em uma afetação deliberada, como nos filmes de Aki Kaurismaki. Ou talvez ele esteja ali para registrar a sobrevivência de um certo Portugal antigo na fala e no comportamento das pessoas, na permanência de uma formalidade afetuosa e de uma métrica literária no falar. São filmes tão agradáveis de ouvir quanto de ver.

Se em Singularidades... há a âncora de um texto de Eça de Queirós para pontuar esse estranhamento de tempos, O Estranho Caso de Angélica é um roteiro original que tem o mesmo tom antigo, mas substituindo a fina ironia do primeiro por uma história de paixão sobrenatural, mas sem excessos. Temos imagens de potência sacra obtidas com uma impressionante economia de luz e planos, não quebrados nem mesmo com a inserção de efeitos especiais que provavelmente mais ninguém teria coragem de incluir num filme, hoje em dia.

Esse Angélica fica ainda mais na cabeça. É obviamente perigoso fazer esse tipo de identificação, mas me parece que a história comenta a própria existência de Oliveira no panorama de cinema hoje em dia. Há um fotógrafo, trabalhando profissionalmente com película, revelando filmes no quarto e apenas interessado em registrar profissões em via de desuso. É um homem apaixonado pelas imagens a ponto de por elas ser obcecado e perder a sanidade. A sua morte não é uma morte: o fotógrafo, num plano espetacular, vira efeito especial, filme.

É uma ideia realmente linda e delicada: o filme de um católico romântico e, sim, centenário, apresentar um homem consumido pelas imagens e que nelas vai encontrar o paraíso, o Reino dos Céus. É um Deus do cinema, o cara.

quarta-feira, outubro 31, 2012

Crise nas estrelas

Detesto ter de bancar o cabeção ou o saudosista, mas não há absolutamente nada de positivo na ideia de um sétimo longa-metragem da saga Star Wars. Não vou nem entrar no mérito de não achar nada de relevante nessa série além da sua capacidade indelével de vender edições redux em dvd e licenciar brinquedos para jovens adultos, mas sim pensar na contribuição de um mastodonte desses pra indústria.

Basta olhar pro que se tem produzido dentro do cinema americano pras multidões pra perceber que não há mais nada de novo, nunca, e que um sétimo filme de Star Wars, que será claramente um sucesso apenas por existir, apenas contribui para a perpetuação desse hábito de se reciclar até o ponto da náusea tudo que faz sucesso.

Não se trata de reclamar da existência de blockbusters, e sim do fato de que estamos presos nos mesmos filmes, sempre. Pense só nesse ano de 2012: reboot de Homem-Aranha, último filme da trilogia do reboot de Batman, franquia de Os Vingadores feita a partir da união de outras franquias diferentes, vindas de diversas adaptações anteriores no cinema e na tv.

Fora dos quadrinhos, um enésimo e ultra-aborrecido James Bond. Houve ainda uma tentativa de Ridley Scott de fazer trilogia-prequel de Alien com Prometeus, mas o segundo filme só vem depois dele fazer a sequência de Blade Runner.

O panorama é ainda mais assustador com a promessa de três filmes de três horas cheios de elfos, hobbits e anões com a volta de Peter Jackson à Terra Média. Eu, pessoalmente, já estou com dor de cabeça só de pensar. 

Desde os anos 2000, os blockbusters originais que tivemos vieram de livros: Harry Potter e Crepúsculo. Como eles precisam justificar o investimento e ganhar muita grana, eles vem em pacotes de vários filmes, e ainda dividindo os últimos livros em duas partes. Não dá pra largar o osso. Mesmo a saga Bourne, claramente esgotada e fechadinha depois de três filmes formidáveis, ganhou mais um exemplar esse ano com outro personagem, apenas para aproveitar o universo.

A ideia é essa: ninguém acredita ser capaz de criar do zero, de raiz. Há James Cameron, e seu Avatar, no entanto. Mesmo com ideias velhas, temos um filmaço-aço-aço dentro do seu próprio universo. Cameron, no entanto, em vez de partir pra outra, vai filmar Avatar 2.

Dia desses Camille Paglia, claramente senil, escreveu que George Lucas era o maior artista do nosso tempo. Eu acho que ele, nessa obsessão de explorar o máximo seu parque de diversões intergalático, é o grande artífice dessa ideia imbecilizante de que não podemos ver nada de novo.

Não é só uma questão de ter o novo pelo novo (a Pixar faz duas sequências de Toy Story e os filmes só ficam melhores, por exemplo). Mas sim de que a maioria absoluta desses filmes simplesmente não prestam. Porque são preguiçosos, condescendentes com o público e nem um pouco desafiadores, dentro dos limites do gênero. São filmes feitos pra uma plateia sedada. Acho que precisamos mesmo é de um Red Bull.

segunda-feira, outubro 15, 2012

novela e História

a novela é bacana, e tal, mas contenham-se: a História é muito maior, e tudo isso que é vendido como definitivo em avenida brasil é rotina de melodrama. tufão é o corno da vez, mas há bem pouco tempo, tínhamos o hipermegaultrachifrudo totó. carminha é uma malvada de entrar pra História, mas a última década deve 200 vilãs de entrar pra História (flora, laura, bia falcão) e apenas uma nazaré, a verdadeira abelha-rainha. na dúvida, calma. 

o que essa novela tem de Histórico, muito provavelmente é levar pela primeira vez essa cara (o look mesmo, a imagem) de série de tv americana pro horário nobre, coisa que a globo já vinha testando no seu horário das seis há algum tempo. essa é sim a novela da virada, de arriscar uma cara diferente pro maior produto da globo e não receber rejeição. no entanto, dava pra ir bem mais longe: grande parte desse potencial de impressionar com a direção e a câmera ficou enterrado naquele excepcional primeiro capítulo. 

quinta-feira, outubro 04, 2012

A Vida de Pi





Tem mais ou menos um ano que eu li A Vida de Pi e são raros os dias em que o livro não volte pra me atormentar um pouco, e parece que agora mais ainda, com a adaptação de Ang Lee chegando aos cinemas nos próximos meses e muitas pessoas voltando ao livro, ao que ele é e ao que tenta dizer.


"Tentar dizer" é uma coisa importante aqui, já que o livro é construído como parábola: uma fábula para chegar a uma moral. Temos uma história de aventura narrada com tintas fantásticas e um epílogo que reajusta tudo escrito anteriormente, como no Reparação, de Ian McEwan.

Pi Patel, o protagonista, é um adolescente criado no zoológico do pai, fascinado pela natureza, mas completamente fisgável por religiões. Ele se interessa e envereda ao mesmo tempo pelo hinduísmo, pelo cristianismo e pelo islamismo, para estranhamento da família ("meu pai era secular como um sorvete").

Uma virada do livro põe Pi e um tigre sozinhos num barco salva-vidas, à deriva, após o naufrágio do navio que levava a família Patel e os animais do zoológico rumo ao Canadá. São 200 e poucos dias no mar, não desprovidos de eventos espetaculares primorosamente narrados. Como alguém já escreveu, é como se Edgar Allan Poe houvesse escrito o livro de Jó.

Depois dessa aventura chega o polêmico epílogo, enfim, uma marreta de realidade sobre op relato fantástico visto anteriormente. Há quem descreva esse final como artificial, tirado da cartola, decepcionante, mas é ele quem projeta essa "moral" a algo bem mais profundo e fascinante do que o antevisto no preocupante e arriscadíssimo primeiro capítulo, que promete: "Este é um livro que te fará acreditar em Deus". 

No entanto, quando o livro se reconstrói, estamos diante de uma falsa promessa. Não há qualquer certeza da existência de um Deus além da própria escolha de se acreditar Nele. O ponto aqui, dentro de um zeitgeist completamente materialista, é que o livro parece simpático a essa escolha teísta e manifesta um entendimento de que a busca de qualquer transcendência é pessoal: cada um acredita no que lhe faz bem, fortalece, e dá força para sobreviver. É assim que aquela jornada num barco transforma-se numa vida inteira, em qualquer vida.

Mais além, ao imbuir a crença de uma responsabilidade (acredita-se porque quer) e ao abraçar todas as possibilidades de "espiritualização", Martel purifica a religião dos dogmas que as fazem atuar umas contras as outras e contra as próprias pessoas que nelas procuram refúgio. Com responsabilidade, castigos e salvação não têm sentido.

O que passa a importar não é restrição específica, mas a interseção de ideias - o amor, a celebração da existência e a gratidão por estar vivo -, algo que pode afetar mesmo ateus e agnósticos afeitos a essa sensibilidade universalista. A responsabilidade, no entanto, impede a relativização. Cada um sabe o que faz e até onde vai e até onde segue um caminho que contradiga esses princípios gerais.

A relação religiosa é corrigida: deixa de ser uma adesão por osmose e passar a ser uma busca ativa, voluntária, algo primal, nos modelos dos primeiros homens que buscavam respostas não para obedecer a regras antepassadas, mas pela busca em si.

No fundo, o que Martel (entre garçom e segurança, uma de suas ocupações foi ter estudado filosofia em Ontario - ele é canadense) faz com a alegoria da vida de Pi é apresentar uma alternativa, uma possibilidade de conciliação e de reposicionamento da crença para o século 21.

O truque de gênio, no entanto, é não ceder à auto-ajuda nem oferecer conforto fácil a partir dessa possibilidade: a construção aparente da vida com uma presença divina, no livro, não deu um passo sequer além da ficção. Deus continua a ser impasse: quão real é uma felicidade construída que se sente como real?

Depende da força dessa construção. Daí a força do livro. Mais do que uma meditação teológica, ele é uma afirmação da poder sem limites do storytelling. De volta ao citado Reparação, de McEwan, a ficção às vezes é o único instrumento de redenção que se tem à mão.

segunda-feira, agosto 20, 2012

Minha lista para a S&S

Taqui a minha lista para a Sight & Sound (mentira, não me chamaram, mas não perdem por esperar) em ordem alfabética.

Amantes, de John Cassavetes
A Ascensão, de Larisa Shepitko
A Tortura do Medo, de Michael Powell
Carta de uma Desconhecida, de Max Ophuls
Cidadão Kane, de Orson Welles
Cupido É Moleque Teimoso, de Leo McCarey
Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais
Lawrence da Arábia, de David Lean
Nashville, Robert Altman
Uma Aventura na Martinica, de Howard Hawks

Já havia feito lista de favoritos em 2007 e 2008, mas isso aqui é como eu me sinto agora. 

segunda-feira, agosto 13, 2012

Telecurso 2000 Gotham

Uma coisa que me impressiona (para o mal) nos filmes de Christopher Nolan é a sua excessiva necessidade de rocambolizar suas historinhas a tal ponto que o único jeito de administrá-las é descrevê-las tim tim por tim tim, o tempo todo. Na primeira meia hora desse Batman eu até relevei, achei que era só um começo pouco inspirado, mas o filme passa dessa marca e continuamos a ver a mesma situação se repetir em uma a cada três cenas: um terço do filme é isso, personagem A explica para personagem B uma situação X.

Alfred explica a situação da empresa para Bruce, Lucius explica a situação da empresa para Bruce e depois fala dos seus equipamentos, Miranda fala do seu projeto para Bruce, Blake explica para Bruce como o reconheceu, o sócio de Bruce explica para Bane o seu plano, Bane explica pro Batman as suas motivações, os colegas de cela explicam pra Batman como uma criança saiu da cadeia e quem seria aquela criança, Miranda explica quem ela é, explica porque seu plano é infalível... Enfim, blá blá blá.

Não tem conversa: as palavras para Nolan são apenas uma funcionalidade, e uma funcionalidade sobre a qual ele não tem muito domínio. Há nesse Batman alguns dos piores diálogos de blockbusters recentes, fator realçado pela pretensão de ser uma "tragédia" e não um filme de comics. Quando Bane fala então ("Você apenas se acostumou com a escuridão, mas eu fui moldado por ela", etc), com aquele sotaque supostamente diferenciado, a agonia de ver o filme toma proporções épicas, aí sim.

Não vou nem entrar aqui no queijo suíço desse roteiro (até porque não tô nem aí) nem na contínua inabilidade que esse cara tem de filmar ação. O que mais me incomodou foi perceber que um filme tão insuportavelmente didático (é um Telecurso 2000 Gotham) não deixa o mínimo espaço para qualquer ambiguidade, qualquer pensamento mais elaborado que fuja da explicação de motivações. É um filme sem segundas interpretações, já que só interessa entender por que um personagem vai de um ponto ao outro.

terça-feira, julho 17, 2012

De inspiração

Num dos grandes filmes dos últimos tempos, Poesia, de Lee Chang-Dong, uma sexagenária à beira do Mal de Alzheimer decide aprender a escrever. Tenta abrir os olhos para a beleza das coisas, da natureza, das pessoas. Não sai muita coisa. No fim do filme, nossa protagonista terá em mãos uma linda poesia, mas, para isso, precisará perceber que a arte não se materializa apenas a partir da mera inspiração pelo que é belo. É preciso abraçar e traduzir o que é áspero na vida - o que é abrasivo e rugoso e difícil.

Esse filme tem me perseguido não apenas por ser uma maiúscula obra de arte de força e pungência, mas porque a cada esquina da música, da televisão, dos filmes, dos livros e dos pequenos textos de Facebook, tenho esbarrado com um fofismo incômodo travestido de arte, uma vontade de produzir prazer estético apenas com um monte de sensações boas; um paz & amor estiloso, ensimesmado na delícia de reverberar discos preferidos num dia de chuva, na cama, em casa, no qual o máximo de emoção que se consegue extrair é uma leve melancolia.

Mas não é uma melancolia realmente triste. É apenas aquele tipo de melancolia soporífera que casa bem com os filtros novos do Instagram, perfeitos para captar o vermelho desbotado de um Converse All-Star ostensivamente velho.  E confortável, porque, pra usar um gasto chavão dos administradores de empresas, tudo isso é uma arte da zona de conforto, tão impactante quanto um All-Star usado. Me incomoda.

sexta-feira, maio 18, 2012

TOP 10 MAD MEN

O legal de Mad Men é que como a série dá pouca ligança pra essas coisas de desenvolvimento de plots, arcos de personagens, etc, os episódios funcionam como pequenos filmes soltos - e o que a gente sabe sobre cada um dos personagens tem uma lógica não linear, cumulativa de uma maneira não-sequencial, elíptica. Por isso, então, que é bem mais fácil separar cada episódio do todo, e, a despeito da série ser completamente brilhante quase sempre, podemos eleger nossos momentos favoritos sem muita dificuldade de distinguir cada unidade do total.

Se eu tivesse de fazer um top 10 de episódios de Mad Men hoje, acho que seria assim:

10 - Nixon vs Kennedy - Na primeira temporada a série tinha esse hábito de soltar aos poucos, sem pressa, o que há por trás da história de Don Draper. Depois de uma série de situações tensas com um irmão indesejado, temos enfim a revelação de como Don virou Don - a diferença é que isso em vez de esvaziar, tornou o personagem ainda mais enigmático.

9 - Souvenir - Don e Betty vão pra Itália e abrem um parêntese de sedução num casamento já condenado. Pete mostra seu lado mais filho da puta, aliás, se aproveitando da babá da família vizinha.

8 - Far Away Places - Acho que é o episódio mais diferente em tempos de narração, o único que chama a atenção para sua não-linearidade em toda a série (antes os únicos recursos utilizados pra quebrar o andamento normal eram flashbacks e elipses). De qualquer jeito, o troço é tão inteligente que é completamente justificado: três histórias espelhadas de pessoas em diferentes tipos de crise, uma depois da outra: a cada novo re-desenvolvimento, uma sensação labiríntica de que aquilo não vai acabar. E há o LSD, claro.

7 - Meditations in an Emergency - O finale da segunda temporada, em que Betty finalmente toma coragem para liberar pulsões carnais insinuadas desde sempre e faz sexo com um desconhecido, apenas para voltar para Don em seguida. Peggy conta a um Pete estupefato (e doido pra ter um filho) que foi mãe de um filho dos dois e deu pra adoção. Força desse episódio aqui é um raro desenlace de situações em suspenso durante muito tempo, o que faz com que a porrada venha forte e sem muito esforço.

6 - Signal 30 - Em geral é assim com Betty e Pete: personagens detestavelmente complexos, que cruzam diversas vezes a linha do aceitável e talvez do mau caratismo sem que sejam, de fato, “vilões”, pessoas unidimensionalmente más, etc. Por outro lado, o tanto de background que a gente tem sobre os dois nunca vira motivo de causa-consequência pra justificar o que eles fazem. Esse é o melhor episódio Pete de todos, praticamente um evisceração do personagem em todos os fronts da vida.

5 - The Jet Set - O primeiro da monumental sequência de episódios que encerra a segunda temporada. Don Vai para a Califórnia, passa mal, e encontra personagens fugidos de Bonjour Tristesse.

4 - The Mountain King - Na Califórnia, ficamos sabendo que o relacionamento de Don e Anna Draper é muito bonito (e as únicas pessoas que se tornam amigas de verdade dele são mulheres - Anna e Peggy). O final, com o banho de mar, é quase místico, uma daquelas pausas pra respirar que a vida nos impõe de vez em quando. No mesmo episódio, o futuro marido de Joan mostra que é um crápula numa cena chocante.

3 - The Hobo Code - logo na primeira temporada, um dos melhores flashbacks de Don Draper; não é uma revelação do passado dele, mas um insight preciso sobre como era a sua família numa América rural e falsamente bucólica. Lembra Faulkner.

2 - The Grown-Ups - O famoso episódio da morte de Kennedy, onde a série (a América, o mundo) para em comoção total. Esse episódio representa o melhor de Mad Men: nada acontece, tudo está em suspenso, e a gente observa gente andando pros lados, em tensão insuportável. Melhor episódio também em termos de sincronia com a História, num daqueles momentos em que ela atropela as pessoas.

1- The Suitcase - O único ponto realmente muito alto da quarta temporada, mas, nossa, que ponto alto! Dois personagens andando pra lá e pra cá conversando sobre a vida, suas perdas, ambições e frustrações. Se tom fosse outro, seria quase um filme de Antonioni. Enfim, é o auge de texto, direção e atuação de toda a série, ainda insuperado. É um episódio verdadeiramente lindo.

sábado, fevereiro 25, 2012

Oscar parte 2: Atuação

Bora falar das categorias de atuação.

>>> Melhor Ator é a categoria mais difícil de apontar uma preferência, porque são cinco trabalhos muito bons. Demian Bichir e George Clooney são os menos favorecidos, já que poderiam ir ainda mais longe se estivessem em filmes mais desafiadores, menos esquemáticos/coxinhas. Dos três que sobram, Gary Oldman é o melhor ator, e nessa atuação especial está magnífico de uma maneira completamente diferente: é uma esfinge, uma entidade, um orixá. Nem sequer vemos os seus olhos. Jean DuJardin dança, sapateia, sorri e dá um show de expressividade, mas acho que Brad Pitt é mesmo o melhor da categoria: carisma a 100%, mas também uma humanização muito delicada desse garoto de ouro que ele interpreta, cheia de sutilezas. Lembra alguns dos melhores momentos do Burt Lancaster já maduro, desconstruindo seu rótulo de leading man bonitão. Excelente mesmo.

Votaria em Pitt. DuJardin vai ganhar.

>>> Pena que Glenn Close não vá ganhar o Oscar, porque, afinal de contas, até que enfim ela realmente merece. É um trabalho muito corajoso de interiorização extrema, num personagem praticamente sem arco, que quer ser invisível, mimetizar-se num corpo de homem. Close não faz concessões para nos aproximar do seu Albert Nobbs: seria uma traição a um tipo tão ensimesmado e, consequentemente, inocente sobre as coisas da vida após essa reclusão voluntária dentro de um traje de mordomo.

Eu gosto de Viola Davis, mas não é exatamente um grande papel, e o que ela injeta na personagem é apenas o básico: nobreza, força, angústia. Não há muita margem pra nuance, mas pelo menos ela é bem boa nesse nível superficial. Rooney Mara tá bem, forte presença física, bom trabalho de composição...

Já de Meryl Streep e Michelle Williams, definitivamente não gosto. Streep é só casca, sotaque, peruca. Uma imitação perfeita, mas não tem muita atuação ali (e ela tem pouca culpa, porque o filme só a manda gritar, discursar e vociferar, e, mais tarde, fazer a rotina de velha). Enfim, é um trabalho todo exterior, uma caricatura traçada em grandes pinceladas, bem aquém do que a própria Streep já fez em outras biografias, enchendo a tela de pathos (ver seu trabalho magistral em Silkwood, por exemplo).

Williams não consegue funcionar nem nesse nível técnico. Sua Marilyn Monroe jamais acontece na tela, a começar pela aparência: a boca é grande demais, a bochecha é grande demais, o corpo é magro demais e ela não tem metade da beleza de MM. Ainda assim, ela funcionaria se fosse capaz de projetar um pouco da graça e da picardia da MM original, mas ela é dura, sem um pingo de humor e mesmo sex appeal. Suas cenas encarnando MM na tela, e não nos bastidores, são todas desastrosas, um atestado de fracasso. Ela jamais seria uma "gelatina sobre molas", como diz Jack Lemmon em Quanto Mais Quente Melhor. Quem nunca viu Monroe na tela de verdade não vai entender por que ela se tornou mito se depender dessa atuação e desse filme.

Votaria em Glenn Close, mas Viola Davis ganha.

>>> O melhor coadjuvante é mesmo Christopher Plummer, cheio de graça, ternura, bom humor, evitando qualquer clichê de "bicha velha" no papel do cara que sai do armário depois dos 70 anos. Max von Sydow nada tem a fazer em Tão Longe e Tão Perto (mas é adorável), Nick Nolte é ótimo, mas sua atuação é puro mais do mesmo de tudo que ele tem feito ultimamente e Jonah Hill... bom, não me pergunte. Nunca vou entender essa indicação. Ela só existe por causa dos filmes anteriores que ele fez, coisas como Superbad. Agora fechou a cara e pronto, Oscar, mas fechar a cara e falar normalmente não é lá nenhum desafio pra nenhum ator. Enfim. Kenneth Branagh tá bem no filme, e dá uma lição em Michelle Williams. Ele também não parece com Laurence Olivier, mas entra em cena e a magia acontece. Temos o Larry irascível, estelar, maior que a vida, com um ou outro detalhe mais profundo - a vaidade, a ambição artística. Não é genial, mas é bem competente.

Enfim, Plummer vai ganhar e teria o meu voto também.

>>> Atrizes coadjuvantes: cinco trabalhos medianos. A melhor delas, Jessica Chastain, tá indicada pelo filme errado - seria A Árvore da Vida em vez de Histórias Cruzadas, onde faz uma bimbo razoável. Octavia Spencer, no mesmo filme, é a velha empregada gorda, negra e engraçada, e ela não supera o template do papel... Janet McTeer está bem em Albert Nobbs, mas também não tem muito o que fazer com seu papel. Melissa McCarthy, em Missão Madrinha de Casamento, apenas comporta-se grosseiramente e não chega aos pés de Rose Byrne, colega de filme que deveria ter sido indicada em seu lugar. Por fim, Berenice Bejo, bem boa em O Artista, mas falta-lhe algum sangue no olho. Ela jamais seria estrela na mesma época que Joan Crawford, Greta Garbo e cia, sorry. Não tem IT, nem faz muita força pra ter.

Votaria em Chastain, mas Spencer vai ganhar.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Oscar 2012: melhor filme

Bom, o Oscar é esse domingo e vou dar uns pitacos rápidos sobre os indicados a melhor filme, do pior para o melhor (num post seguinte, amanhã ou depois, falo sobre outras categorias).

9 - Histórias Cruzadas

Velho blá blá blá sobre os direitos civis dos negros em mais uma versão sem sangue no olho assinada por brancos condescendentes. Impressionante como continuam engolindo essa redução de complexidades, da patroa vilã de novela mexicana à empregada negra gorda e engraçada à bimbo de bom coração à branca criada pela babá negra. Filme é um horror, um desfile de personagens de papelão em situações tão educativas quanto um episódio de Malhação. O pior, acho, é a ambição do filme: não se trata apenas de registrar uma situação por meio de microcosmo; o cara quer contar logo a história de uma cidade inteira com essa rebeldia baseada na escatologia.


8 - Os Descendentes

Já tive mais paciência com esse tipo de coisa, mas hoje em dia só enxergo um filme sobre perda e luto sem qualquer tipo de dor, devidamente higienizado pelo template de "comédia dramática" do cinema americano independente, especializado em "famílias disfuncionais". Causa-me um pouco de choque aquele corpo em coma, na cama, negligenciado por um roteiro preocupado em inserir piadinhas sobre dieta infantil e carboidratos enquanto uma vida se deteriora. Só me lembro de Julianne Moore berrando na farmácia em Magnólia, perguntando ao farmacêutico se ele já havia visto a morte entrar em sua casa. Payne, com certeza, não viu, ou se viu, não aprendeu nada. Shame on you.

7 - Extremamente Alto e Incrivelmente Perto

Outro filme sobre luto que, apesar de tentar extrair algo de intenso desse sentimento, faz isso da maneira mais obscena com golpes bem abaixo da cintura. O filme não se contenta com a imensa carga emocional do 11 de Setembro: pincela todo tipo de efeito para tentar potencializar essa dor, mas só consegue esvaziá-la e reduzir a tragédia de uma nação a um dramalhão de quinta. Até o amor por NY é fake nas mãos de um diretor inglês, e não chega aos pés até do que Sam Raimi fez em Homem-Aranha 2, por exemplo, pra ficar numa vertente menos independente do cinemão.

6 - Meia Noite em Paris

Woody Allen jogando para a plateia, preguiçoso que só, com mais um daqueles roteiros que precisam de uns dois tratamentos a mais, pelo menos. Filme passa como um megacomício para convertidos: Paris, aversão a intelectuais pedantes, paixão por escritores e artistas que vivem de verdade, problemas de bloqueio criativo. Allen sempre fez mais ou menos o mesmo filme, mas perdeu completamente o frescor quando desaprendeu a organizar suas obsessões em filmes precisos, agudos... Esse é mais um dessa longa fase que ameaça virar definitiva. Nunca mais Maridos e Esposas, Tiros na Broadway, Manhattan ou A Rosa Púrpura do Cairo. Conformem-se.

5 - O Artista

Um festival de gags sensacionais e momentos de pura inteligência visual e cinematográfica num filme meio problemático, perdido numa estrutura rangente de melodrama, cheia de situações pesadas demais pro show de alegria e nostalgia que o filme quer vender. Ainda assim, os pontos altos (o sonho, os aplausos no início, os filmes dentro do filme, a cartela de bang!, o número musical final, etc) são tão altos que a gente perdoa tudo. E pode até se apaixonar de verdade.

4 - O Homem Que Mudou o Jogo

Cinebiografia clínica e gelada sobre estatística e beisebol. Funciona justamente porque o filme trabalha com esse objetivo de precisão enquanto o roteiro corta uma série de dobrados pra ir injetando humanidade num ambiente tão árido. Termina muito bem, ambiguamente, numa vitória ano após ano da incerteza sobre a matemática. Por melhor que seja o objetivo de racionalizar-se, há uma margem imponderável para fazer o homem relativizar o seu caminho, apesar dos avanços. O esporte como metáfora da vida.

3 - Cavalo de Guerra

É quase como que Spielberg tenha feito esse filme no intervalo de Tintin como um pedido de desculpa: no lugar do cinema digital insuportável e barroco com vinte cortes por minuto, uma narrativa clássica, elegante, de visual deslumbrante, inspirada em grandes diretores do passado. Quase ninguém hoje em dia saberia filmar tão bem nessa chave antiquada tanto de cinema quanto de pensamento e emoção. A cena dos dois soldados inimigos unidos para salvar o cavalo deve ser o auge do humanismo spielberguiano.

2 - A Invenção de Hugo Cabret

Um grande triunfo técnico que justifica o 3D como caminho viável de cinema. Mesmo num filme de fantasia, as cenas têm gente de verdade em um set de verdade, e há um trabalho esplêndido de fotografia e direção de arte que ainda ter boa dose de artesanato e olho humano, sem tanta dependência de computadores. O 3D não é protagonista do filme, e sim uma característica de volume das imagens. O melhor é que Scorsese acerta em cheio num cinema do hoje pra celebrar não apenas o cinema, mas a literatura, a crítica, as filmotecas, bibliotecas e a preservação da cultura. Enfim, celebrar a História.

1 - A Árvore da Vida

Vocês sabem o que eu acho desse aqui. É um dos cinco melhores filmes desse século até agora, ou mesmo o melhor, por mais torto que seja. Em resumo, o indicado ao Oscar de melhor filme mais incrível desde os anos 70, provavelmente.