segunda-feira, maio 20, 2013

O Grande Gatsby

É bem fácil detestar toda a primeira hora de O Grande Gatsby, um amontoado irritante de sobras desinteressantes de Moulin Rouge, de festas nababescas, excesso de efeitos e uma sensação irreal de estar assistindo a Star Wars: Fitzgerald, com todo mundo flutuando em fundos verdes. Parece uma hora inteira perdida, especialmente porque em MR esse ritmo febril era o próprio filme, e aqui é só um elemento de narrativa, coisa de personagem, algo bem menos interessante.

Há uma virada essencial, que me ganha de volta. Gatsby acaba com as festas, fecha a casa, e Luhrmann é obrigado a, dentro dos seus limites de histeria, encarar um andar mais lento. Há o espalhafato habitual e localizado em cenas certeiras, mas não mais esse torpor "The Show Must Go On" que transformava todas as sequências em baratos de absinto. Seu tratamento ainda é over, claro, mas o plot baixa um pouco a sua bola para algo mais próximo dos excessos de um diretor de melodrama dos anos 50.

Óbvio que, como um cineasta mais interessado em direção de arte que dramaturgia, a maioria das nuances e sutilezas do livro é achatada e reprocessada, cuspida, na forma de romance, gênero de locadora. Isso não é necessariamente ruim: livre de profundidades, esse romance de locadora corre solto em planos exagerados, música alta e um monte de artifícios que vendem emoção artificial para uma história que não teria essa tendência catártica naturalmente. Para quem quiser tudo o que Fitzgerald tem a oferecer, o livro continua lá intacto. Isso aqui é outra coisa.

Apesar de ser mesmo o pior filme de Luhrmann, eu gosto muito, no fim das contas. Pelo que tenho lido, vejo certas restrições ao filme como reflexo da dificuldade de se respeitar o melodrama como gênero de forma não irônica/referencial ou sem a distância do tempo. Luhrmann não é Todd Haynes. A sua afetação aqui não tem uma significação terceira; é o que é na aparência mesmo, um modo de contar histórias com opção consciente pela simplificação de complexidades, infantilização de conflitos e ênfase em reações básicas e intensas de emoção. Não é defeito, é escolha.

PS (21/5): Escrevi que o trato de Baz Luhrmann em O Grande Gatsby não é referencial, e mantenho isso, mas dois dias depois ficaram as imagens de mulheres loucas em carros velozes, de pocilgas de beira de estrada, de mansões e escadas circulares, com um cadáver lá embaixo dessa escada, visto de cima para baixo. Luhrmann, quando quer citar, não é a pessoa mais sutil, mas é por isso que esses elementos todos não são uma citação: ele simplesmente estava bêbado de Palavras ao Vento, de Sirk.

Outro detalhe que não mencionei é que, no geral, festas loucas e desenfreadas transmitem uma sensação premonitória ou já presente de decadência: de Fassbinder a Bob Fosse, do mesmo Luhrmann a Pasolini, a orgia é um prenúncio do fim. Não nesse Gatsby. As pessoas divertem-se como sim, como se houvesse amanhã e elas fossem continuar ricas para sempre.

No início esse oba-oba me irritou muito, mas agora eu acho que esse contraste acentua o inesperado trágico que a história vai trazer não apenas a Gatsby, mas a todos aqueles ricos prestes a virar pó com o crash de 29. Eles eram inocentes, coitados; não havia pistas.

sábado, maio 18, 2013

Gloria


Há alguns anos eu vi vários filmes de Cassavetes. Ia ver a filmografia toda, mas decidi parar. Tinha achado meu diretor favorito de todo o sempre, então achei justo ter algumas coisas inéditas na manga para me dar de presente ao longo de toda a minha vida. Hoje eu não resisti e diminui meu estoque, vendo Gloria. É obviamente uma coisa linda, um instantâneo de uma cidade e de uma mulher que anda pra lá e pra cá nessa cidade, produto dela. Ela circula com os dentes cerrados e pistola na mão, moleque a tiracolo, sem muito roteiro para lhe guiar. É um cinema sobre as pessoas, mas não sobre as suas histórias; é um perfil de comportamento, e não de trajetória. É o ideal de realismo em cinema, já que a gente normalmente não segue histórias, mas apenas vive, no improviso.

domingo, maio 12, 2013

KIller Joe


Eu entendo que se admire William Friedkin por fazer mais um filme de momentos fortes, mas, me processem, essa soma de momentos fortes de Killer Joe, embora empolgante, tem como resultado uma tempestade de cinismo juvenil que eu esperaria de um David Fincher anos 90, e não de um William Friedkin. Eu já não ia muito com a cara de Bug (embora constate, obviamente: sim, tem muitos momentos fortes) e essa segunda incursão na adaptação teatral de Tracy Letts me parece confirmar a sensação de que Friedkin não tem mais nada a dizer realmente e pôs a sua capacidade de encenar momentos fortes a serviço de uma dramaturgia de efeito, cínica e adequadamente chocante - justamente para ser incensada como é. Killer Joe é um filme, e principalmente, um texto bem vagabundo. Bug era mais interessante, mesmo implorando por Cronenberg na direção.

sábado, maio 04, 2013

Mildred Pierce / Top of the Lake

Bem recentemente vi duas incursões de cineastas consagrados no formato minissérie de televisão, com resultados intrigantemente opostos, espelhados. Todd Haynes, em Mildred Pierce, usa um dos clássicos do dramalhão, a história da mãe coragem e da filha esnobe que dela tem vergonha, mas seu tratamento é impecavelmente discreto e cerebral, infinitamente delicado, coisa de ourivesaria, quase o produto de um Visconti tardio, gelado.

Em Top of the Lake, apesar de trilhar o caminho da história de investigação policial, Jane Campion parece estar o tempo todo próximo de um thriller de arte, com uma trabalho primoroso de clima e ambientação e, principalmente, uma obsessão pela permanência da violência, sobretudo da violência contra a mulher. Para Campion a Nova Zelândia é quase um faroeste onde as mulheres se defendem das dores do mundo apelando à irmandade.

Pena que para um projeto de ambições aparentemente bem mais complexas que o melô de Haynes, Top of The Lake imploda tenebrosamente no episódio final justamente por sua concessão a armadilhas da carochinha envolvendo questões de paternidade, e, pior, a completa incapacidade de lidar com as consequências dessa virada, a ponto de ter de recuar diante desse incômodo numa cena barata de novela das sete, como se se tratasse de, lembram?, O Mapa da Mina.

No final, em comparação, o dramalhão de Haynes é muito mais incômodo, difícil, desgastante, muito provavelmente porque Haynes é alguém que entende que é preciso dominar muito mais a forma e que essa qualidade de tratamento, no seu caso, é que leva bem mais longe as possibilidades contidas numa historinha banal como a de Mildred Pierce. Campion, por sua vez, parece ter muito mais ideias do que saber o que fazer com elas, e essa inabilidade de escrever um roteiro torna o seu projeto autoral algo realmente vulgar no fim das contas.

Fernando Meirelles disse dia desses que a televisão é o melhor lugar hoje para inovação, mas acho que essas duas experiências me mostram o contrário. TV é o abrigo da caretice de alta qualidade; o tempo a mais não acentua a possibilidade de experimentação, e sim o refinamento do storytelling e da sua excelência formal e clássica. Enfim, é para quem entende de gênero, escrita e execução, e não para quem privilegia o audiovisual como expressão de sensibilidade crua, com o perdão da dureza dessa oposição.