A gente ficou mal acostumado com Almodóvar acertando sem parar desde Carne Trêmula, mas a existência desse atroz Os Amantes Passageiros - estreia hoje no Brasil - nos faz lembrar que antes de virar grife de sensibilidade e qualidade narrativa, Almodóvar claudicava entre comédias bem próximas do Zorra Total, nas quais a graça essa buscada no escracho pelo escracho. Era absurdo, dava gags boas, mas isso não sustentava filmes. Ele mesmo reconheceu isso, refazendo Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos dentro de Abraços Partidos.
Há claras exceções, como o maravilhoso Ata-me, mas pra mim Almodóvar só se encontrou em registros mais sombrios, nos quais o humor era um traço de personalidade colateral, e não o centro das suas preocupações. O grande Almodóvar, o que vai ficar para a história, é do melodrama, de obras-primas como Fale Com Ela, e de melodramas com sangue, como Má Educação e A Pele Que Habito.
Mais que uma questão de gênero, é a de pensamento: os filmes dessa grande fase de Almodóvar tinham todos um conceito, uma ideia, uma reflexão, uma sensibilidade, enfim, eram filmes que giravam em torno de um centro bem definido, como a nossa relação com a arte, as nossas identidades e suas possibilidades, enfim, um monte de coisa pra sentir, pensar e mastigar bem. São filmes de longo alcance, pra resumir.
A sensação ruim que fica de Os Amantes Passageiros é de que Almodóvar não precisava pagar essa dívida com o passado, voltando à extravagância descerebrada, a uma tentativa do riso fácil (houve cobranças tolas de que ele precisava relaxar depois de ter virado um diretor sério, etc). Foi uma péssima decisão: há abismos constrangedores nesse filme, de um merchã pavoroso da Samsung até um número musical longuíssimo que parece querer provar à força o óbvio, que comissários de bordo viados são, de fato, viados. Será preciso paciência.
(Se você está em Salvador, faça um favor a você mesmo e veja Amor Profundo, de Terence Davies, em cartaz na Saladearte Ufba. É o filme do ano até agora).
sexta-feira, junho 28, 2013
quarta-feira, junho 26, 2013
O Dia Em Que Ele Chegar
Não consigo tirar da cabeça a beleza intoxicante de O Dia Em Que Ele Chegar, filme do sul-coreano Hong Sangsoo que, espero, ainda veja a luz dos cinemas no Brasil. Conheci Hong ainda confiando na promessa meio rápida de um novo Rohmer e fui encontrando, filme a filme, algo único e exclusivo, que, com todo o respeito, nada deva ao grande mestre francês.
Trata-se de alguém que filma basicamente a mesma coisa, as mesmas pessoas e os mesmos sentimentos com imenso carinho, a ponto de ser difícil diferenciar mentalmente um filme do outro além dessa sensação de embriaguez e frugalidade que acompanha essa pessoas do ramo do cinema, que saem falando sobre o cinema e a vida em bares e restaurantes de Seul e arredores.
De uns filmes pra cá, Hong me pareceu especialmente interessado em chegar a uma essência desse seu cinema, tomando por dominada essa beleza que ele evoca e pensando basicamente na estrutura a chegar a ela, até um ponto mínimo, exato, a sua partícula de Deus. São filmes que repetem obsessivamente uma mesma coisa, de múltiplos pontos de vista sobre um só evento, sempre tendo claramente o cinema como instrumento: os roteiros de A Visitante Francesa, os filmes de Oki's Movie...
O Dia Em Que Ele Chegar é mais opaco - não há filmes dentro de filmes -, mas é o ponto mais acabado dessa sintonia fina. Tudo funciona metalinguisticamente e diretamente com independência, ou seja, funciona dentro de uma trajetória de um cineasta para quem nela está interessada, e também pra quem desatentamente estiver conhecendo o cara agora, podendo ficar extremamente tocado e comovido com a graça triste que ele consegue capturar nessas noites bêbadas, nessas conversas sobre tudo, nessa ideia de que toda a vida cabe num gole de soju.
Esse século teve grandes filmes, e alguns grandes filmes imperfeitos que amamos mesmo sim, mas esse aqui tá naquela numa liga acima, especial. É ruim usar essa palavra, mas eu chamaria mesmo de sublime, aquele momento em que uma obra de arte simplesmente extrapola os limites do encantamento. São 78 minutos para jamais esquecer.
Trata-se de alguém que filma basicamente a mesma coisa, as mesmas pessoas e os mesmos sentimentos com imenso carinho, a ponto de ser difícil diferenciar mentalmente um filme do outro além dessa sensação de embriaguez e frugalidade que acompanha essa pessoas do ramo do cinema, que saem falando sobre o cinema e a vida em bares e restaurantes de Seul e arredores.
De uns filmes pra cá, Hong me pareceu especialmente interessado em chegar a uma essência desse seu cinema, tomando por dominada essa beleza que ele evoca e pensando basicamente na estrutura a chegar a ela, até um ponto mínimo, exato, a sua partícula de Deus. São filmes que repetem obsessivamente uma mesma coisa, de múltiplos pontos de vista sobre um só evento, sempre tendo claramente o cinema como instrumento: os roteiros de A Visitante Francesa, os filmes de Oki's Movie...
O Dia Em Que Ele Chegar é mais opaco - não há filmes dentro de filmes -, mas é o ponto mais acabado dessa sintonia fina. Tudo funciona metalinguisticamente e diretamente com independência, ou seja, funciona dentro de uma trajetória de um cineasta para quem nela está interessada, e também pra quem desatentamente estiver conhecendo o cara agora, podendo ficar extremamente tocado e comovido com a graça triste que ele consegue capturar nessas noites bêbadas, nessas conversas sobre tudo, nessa ideia de que toda a vida cabe num gole de soju.
Esse século teve grandes filmes, e alguns grandes filmes imperfeitos que amamos mesmo sim, mas esse aqui tá naquela numa liga acima, especial. É ruim usar essa palavra, mas eu chamaria mesmo de sublime, aquele momento em que uma obra de arte simplesmente extrapola os limites do encantamento. São 78 minutos para jamais esquecer.
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