sexta-feira, junho 28, 2013

Os Amantes Passageiros

A gente ficou mal acostumado com Almodóvar acertando sem parar desde Carne Trêmula, mas a existência desse atroz Os Amantes Passageiros - estreia hoje no Brasil - nos faz lembrar que antes de virar grife de sensibilidade e qualidade narrativa, Almodóvar claudicava entre comédias bem próximas do Zorra Total, nas quais a graça essa buscada no escracho pelo escracho. Era absurdo, dava gags boas, mas isso não sustentava filmes. Ele mesmo reconheceu isso, refazendo Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos dentro de Abraços Partidos.

Há claras exceções, como o maravilhoso Ata-me, mas pra mim Almodóvar só se encontrou em registros mais sombrios, nos quais o humor era um traço de personalidade colateral, e não o centro das suas preocupações. O grande Almodóvar, o que vai ficar para a história, é do melodrama, de obras-primas como Fale Com Ela, e de melodramas com sangue, como Má Educação e A Pele Que Habito.

Mais que uma questão de gênero, é a de pensamento: os filmes dessa grande fase de Almodóvar tinham todos um conceito, uma ideia, uma reflexão, uma sensibilidade, enfim, eram filmes que giravam em torno de um centro bem definido, como a nossa relação com a arte, as nossas identidades e suas possibilidades, enfim, um monte de coisa pra sentir, pensar e mastigar bem. São filmes de longo alcance, pra resumir.

A sensação ruim que fica de Os Amantes Passageiros é de que Almodóvar não precisava pagar essa dívida com o passado, voltando à extravagância descerebrada, a uma tentativa do riso fácil (houve cobranças tolas de que ele precisava relaxar depois de ter virado um diretor sério, etc). Foi uma péssima decisão: há abismos constrangedores nesse filme, de um merchã pavoroso da Samsung até um número musical longuíssimo que parece querer provar à força o óbvio, que comissários de bordo viados são, de fato, viados. Será preciso paciência.

(Se você está em Salvador, faça um favor a você mesmo e veja Amor Profundo, de Terence Davies, em cartaz na Saladearte Ufba. É o filme do ano até agora).

quarta-feira, junho 26, 2013

O Dia Em Que Ele Chegar

Não consigo tirar da cabeça a beleza intoxicante de O Dia Em Que Ele Chegar, filme do sul-coreano Hong Sangsoo que, espero, ainda veja a luz dos cinemas no Brasil. Conheci Hong ainda confiando na promessa meio rápida de um novo Rohmer e fui encontrando, filme a filme, algo único e exclusivo, que, com todo o respeito, nada deva ao grande mestre francês. 

Trata-se de alguém que filma basicamente a mesma coisa, as mesmas pessoas e os mesmos sentimentos com imenso carinho, a ponto de ser difícil diferenciar mentalmente um filme do outro além dessa sensação de embriaguez e frugalidade que acompanha essa pessoas do ramo do cinema, que saem falando sobre o cinema e a vida em bares e restaurantes de Seul e arredores.

De uns filmes pra cá, Hong me pareceu especialmente interessado em chegar a uma essência desse seu cinema, tomando por dominada essa beleza que ele evoca e pensando basicamente na estrutura a chegar a ela, até um ponto mínimo, exato, a sua partícula de Deus. São filmes que repetem obsessivamente uma mesma coisa, de múltiplos pontos de vista sobre um só evento, sempre tendo claramente o cinema como instrumento: os roteiros de A Visitante Francesa, os filmes de Oki's Movie...

O Dia Em Que Ele Chegar é mais opaco - não há filmes dentro de filmes -, mas é o ponto mais acabado dessa sintonia fina. Tudo funciona metalinguisticamente e diretamente com independência, ou seja, funciona dentro de uma trajetória de um cineasta para quem nela está interessada, e também pra quem desatentamente estiver conhecendo o cara agora, podendo ficar extremamente tocado e comovido com a graça triste que ele consegue capturar nessas noites bêbadas, nessas conversas sobre tudo, nessa ideia de que toda a vida cabe num gole de soju.

Esse século teve grandes filmes, e alguns grandes filmes imperfeitos que amamos mesmo sim, mas esse aqui tá naquela numa liga acima, especial. É ruim usar essa palavra, mas eu chamaria mesmo de sublime, aquele momento em que uma obra de arte simplesmente extrapola os limites do encantamento. São 78 minutos para jamais esquecer.