domingo, julho 28, 2013

Odete

Essa noite vi um dos filmes mais românticos desde Truffaut, o português Odete, de João Pedro Rodrigues. É sobretudo um filme romântico no sentido literário da coisa, ancorado não no romance em si, mas na perda da pessoa amada e suas consequências, seja a separação causada por morte ou por abandono.

O deslocamento desse romantismo para uma sensibilidade ultragay não parece fazer qualquer diferença. por que tá tudo lá: a vontade de morrer causada pela ausência irreversível de quem se ama, o efeito emocional que lembranças em comuns de filmes e canções, e principalmente o impacto que uma dor de amor pode ter em terceiros, pessoas que podem ser tão afetadas ao presenciar um momento de paixão que tomam para si aquele sentimento, apossam-se dele e passam a fazer parte daquela história.

A obsessão do filme por túmulos, velas e cruzes, e o inevitável crescendo de loucura (feminina, especialmente) que acompanha toda essa hecatombe do coração me levaram direto para O Quarto Verde e As Duas Inglesas e o Amor, mas talvez não seja justo tirar de Portugal a referência geográfica desse épico do coração partido.

A melancolia permanente (a espera por São Sebastião?) e a eloquência detalhada a respeito do luto romântico são coisas que, se não identifico nos portugueses especificamente, encontro em grande parte dos marcos de expressão artística lusitanos, do fado a Castelo Branco, de Pessoa a Manoel de Oliveira (parece que JP Rodrigues o detesta, mas esse filme aqui é irmão de sangue da obra-prima O Estranho Caso de Angélica). Enfim, é um filme arrasador.  

sábado, julho 27, 2013

Amor Pleno

Tenho a impressão de quem não conseguiu engolir A Árvore da Vida pode se reconectar com Terrence Malick em Amor Pleno, agora que ele não tenta mais abraçar o universo e todas as coisas e reduz as suas preocupações a uma escala íntima, pessoal, mínima - muito embora os assuntos de tais preocupações sejam sempre os mesmos.

Pra quem reclamou da mão pesada (nunca foi um problema pra mim), da música, dos dinossauros, esse novo filme se apresenta maravilhosamente leve, diáfano, evanescente. Parece que se ele sustentar um plano sem cortar por alguns segundos a mais, aquelas pessoas vão evaporar.

Pode ser um belo contraponto, desde que essa falta de solidez do filme em termos narrativos não seja um incômodo. Nada se desenha de verdade: em vez de cenas, sensações, belas imagens e um off torto, entre o bêbado e o encantado. Sua câmera imprevisível continua igual: é impossível antecipar qualquer ângulo, corte ou o início ou fim de cada momento.

Se A Árvore da Vida fazia de suas imperfeições (o tom lá em cima, o tempo todo) uma necessidade face a ambição do filme como um todo, esse understatement de Amor Pleno chega a ser perigoso. Na maior parte do filme, essas sensações conseguem guiar-nos virtuosa e graciosamente, mas não raro ficam no ar alguns bolsões de frouxidão, de clichê de videoarte, como se até o próprio Terrence Malick, quem diria, tivesse cedido à tentação de fazer um exercício de estilo.

Parece que diante desse ideia de cinema próximo a fluxo de consciência e sensação múltiplo e polifônico, a tal da "mão pesada" e a grandiloquência clara de A Árvore da Vida fazem falta. De qualquer jeito, há tanta graça a ser capturada por olhos atentos, que mesmo em acabamento talvez bruto, Amor Pleno consegue conjurar quase o tempo todo essa beleza anormal da busca pela transcendência que é a assinatura de Malick. A decantar.